Lucas Lacerda
São Paulo, SP (FolhaPress)
Apresentado ao Senado em janeiro, o projeto de alteração do Código Civil confirma a proibição de pagamentos por gestação por substituição, conhecida como barriga de aluguel, e incorpora como lei normas do Conselho Federal de Medicina (CFM) relacionadas à reprodução assistida.
Parado atualmente na Comissão da Casa, o projeto permite que a pessoa nascida por reprodução assistida solicite autorização judicial para conhecer a identidade do pai biológico. Similarmente, o doador pode ter acesso ao nome da criança, algo que não é permitido hoje.
A proposta também libera a chamada barriga solidária, quando não há pagamento para a mulher que engravida, para pessoas sem vínculo familiar, desde que haja justificativa adequada.
Atualmente, a reprodução assistida não é regulada por lei no Brasil, sendo regida por uma resolução do Conselho Federal de Medicina, atualizada em 2022. Caso aprovado, o projeto incorporaria esse tema ao Código Civil, o que poderia limitar a flexibilidade das normas conforme o avanço tecnológico, segundo a advogada Silvia Marzagão, sócia do escritório Silvia Felipe Marzagão e Eleonora Mattos Advogadas.
Ela argumenta que mudanças em um código civil são complexas e que o tema, pela sua dinâmica tecnológica, provavelmente seria melhor regulado por uma legislação separada, com trâmite mais ágil.
Silvia também observa que a proposta foca no procedimento em si, quando seria mais adequado tratar apenas das questões de filiação: “Pessoas geradas por reprodução assistida são filhos, assim como as concebidas naturalmente. O importante seria regular isso, não o procedimento ou o destino do material doado.”
Sobre o acesso à identidade dos nascidos e doadores, ela ressalta que hoje é possível apenas consultar informações médicas sobre o material genético utilizado, mas não os nomes. Para Silvia, “não há pai biológico, mas origem genética para fins médicos. Os verdadeiros pais são aqueles envolvidos no projeto parental, como no caso da gestação por substituição, onde a mulher que carrega o bebê serve apenas como meio para o nascimento.”
Por outro lado, a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), vê avanços na proposta. Participante da subcomissão que analisou a reforma, ela afirma: “Não vejo razão para impedir o conhecimento das identidades. Na adoção, existe essa possibilidade, e por simetria as pessoas geradas por inseminação também deveriam ter esse direito, especialmente por questões de saúde e prevenção de doenças.”
Ela destaca a necessidade de equilibrar o princípio da privacidade com o da identidade, prevalecendo este último. Atualmente, tanto a Justiça quanto os conselhos médicos raramente investigam parentescos nos casos de barriga solidária além das justificativas apresentadas, o que reforça o caminho certo do projeto ao liberar essa prática que já ocorre.
Maria Berenice defende que a barriga de aluguel com pagamento também deveria ser autorizada pela nova lei.
Marzagão, entretanto, alerta que o texto pode abrir brechas para fiscalizações menos rigorosas pelos órgãos responsáveis pela reprodução assistida.
O projeto contempla ainda disposições sobre o destino do material genético (óvulos, espermatozoides ou embriões) em caso de falecimento do doador. A pessoa deve registrar por escrito uma autorização para o uso e indicar quem pode receber o material. Para Berenice, a exigência de escritura pública pode dificultar essa manifestação de vontade.
Reportagem da Folha de S.Paulo revelou que embriões não poderão mais ser descartados, prática atualmente permitida, mas poderão ser usados para pesquisas ou transferidos a outras pessoas em tratamento, o que pode causar uma situação indefinida para esses materiais, possivelmente retidos indefinidamente em clínicas ou instituições de pesquisa.