ISABELLA MENON E PAULO EDUARDO DIAS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Na zona norte de São Paulo, na manhã de sábado (29), Tainara Souza Santos, de 31 anos, foi atropelada e arrastada por um carro por cerca de um quilômetro na saída de um bar. A dez quilômetros dali, dois dias depois, uma mulher foi baleada várias vezes pelo ex-companheiro na pastelaria onde trabalhava.
Tainara perdeu as duas pernas e está hospitalizada, assim como a outra mulher, que também ficou ferida. Ambas as agressões foram registradas como tentativas de feminicídio.
Em 2025, São Paulo já contabilizou 53 casos desse crime, o maior número da série histórica, mesmo faltando dois meses para o fim do ano. Em 2024, foram 51 casos no total, até então o maior registro.
Levantamento do Instituto Sou da Paz indica que a capital é palco de um em cada quatro feminicídios no estado. Comparando os dez primeiros meses de 2025 com o mesmo período do ano anterior, a alta foi de 23% na cidade e 71% se comparado a 2023.
A maioria dos casos ocorre em casa (67%) e as vítimas são atacadas com armas brancas ou objetos contundentes — usados na maioria dos crimes.
Adriana Liporoni, coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher no estado, explica que esses feminicídios costumam ser a conclusão de ciclos longos de violência. A alta reflete tanto o agravamento dessas situações quanto a melhora na identificação e registro legal dos crimes.
A Lei do Feminicídio, sancionada em 2015, facilitou o reconhecimento desses crimes, mas o aumento também se deve à violência extrema crescente. A brutalidade mostra o controle e a posse que alguns agressores exercem, reagindo com violência desproporcional quando suas parceiras tentam romper a relação.
Antes dessa lei, muitos desses assassinatos eram classificados como homicídios comuns; agora, são registrados separadamente como feminicídios.
Adriana Liporoni destaca que a legislação sozinha não muda a realidade. O maior desafio está em prevenir e identificar cedo os sinais do ciclo de violência. Quando a proteção age rapidamente, é possível interromper esse ciclo antes que aconteçam situações extremas.
Malu Pinheiro, do Instituto Sou da Paz, nota que feminicídios geralmente envolvem familiares ou companheiros e ocorrem fora do espaço público, exigindo ações específicas da polícia. A integração de serviços de apoio às mulheres em situação de violência é vital para quebrar o ciclo de abuso e proteger as vítimas.
A fotógrafa técnico-pericial Telma Rocha, com mais de 30 anos na área, descreve cenas chocantes nas investigações: mulheres queimadas, amarradas, espancadas, mutiladas, e frequentemente com ferimentos de defesa, como cortes nas mãos e braços, o que demonstra um sofrimento muito cruel.
Especialistas afirmam que o maior problema no combate à violência contra a mulher não é a falta de leis, mas sim de ações preventivas eficazes. A pena para feminicídio pode chegar a 40 anos de prisão, a mais severa prevista no Código Penal, mas é necessário investir em políticas públicas reais que protejam as mulheres.
Casos recentes de grande repercussão revelam a crueldade dos crimes contra mulheres, geralmente cometidos por pessoas próximas. A coragem delas em denunciar e buscar ajuda está aumentando, porém Ivana David, desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo, ressalta que o feminicídio é o limite extremo da violência.
Adriana Liporoni lista medidas que podem ajudar a combater a violência: prevenção nas escolas, fortalecimento da rede de proteção, atendimento especializado, cumprimento de medidas protetivas e punição dos agressores. A reeducação masculina é fundamental para mudar padrões culturais.
Ivana David observa que homens têm se tornado mais agressivos e violentos, com crimes marcados por crueldade e ódio. O maior desafio é transformar uma cultura patriarcal, misógina e desigual.
Beatriz Accioly, antropóloga e líder de Políticas Públicas no Instituto Natura, aponta como principais fatores de risco para mulheres a desigualdade de gênero, normas sociais permissivas, falta de acesso a oportunidades e redes de proteção insuficientes.
Ela critica a falta de prioridade orçamentária tanto pública quanto privada para criar soluções eficazes, como delegacias 24 horas e campanhas de mudança de comportamento, e alerta para o aumento de discursos de ódio on-line que alimentam a violência física e a misoginia na internet.
Apesar da existência da Lei Maria da Penha, nem sempre ela garante proteção real. São necessárias políticas públicas concretas, recursos e coordenação entre diferentes níveis de governo para mudar essa realidade.
A Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher mostra que 70% dos casos têm testemunhas, mas 40% dessas pessoas não agem. Beatriz Accioly defende que conscientizar significa não só reconhecer o problema, mas saber como agir: “É considerar isso inaceitável, intervir e apoiar.”

