Compra estava suspensa após juiz apontar possível risco de discriminação racial; liminar foi derrubada na semana passada, e prefeitura retomou pregão
A prefeitura de São Paulo recebeu, em pregão eletrônico nesta segunda-feira, a oferta de menor valor de R$ 9,2 milhões mensais para implantar 20 mil câmeras de reconhecimento facial na cidade até 2024. A compra faz parte do programa Smart Sampa.
O pregão está agora suspenso para que a administração municipal analise a viabilidade de o licitante entregar o serviço. Após aplicação de exame para avaliar a plataforma digital oferecida pela empresa, o nome do vencedor poderá ser confirmado. Onze licitantes disputaram o menor lance, que esteve R$ 300 mil abaixo do segundo valor mais baixo.
A contratação das câmeras de monitoramento vinha sofrendo uma disputa na Justiça, e foi retomada nesta segunda após a prefeitura conseguir derrubar uma liminar apontando possível risco de discriminação racial no projeto.
Em sua decisão a favor da prefeitura em 23 de maio, a relatora Paola Lorena considerou “não haver evidência de que a implementação de videomonitoramento reforce eventual discriminação social e racial, considerando que, com relação a artigos e matérias jornalísticas, não é possível analisar como foram produzidos ou, ainda, se os autores e suas conclusões são independentes e imparciais”.
Em 18 de maio, o juiz Luiz Manuel Fonseca Pires, da 3ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo, havia determinado a suspensão da compra após vereadoras do PSOL questionarem a legitimidade jurídica do sistema de monitoramento.
Pires afirmou que, embora possa melhorar a eficiência de ações e intervenções na segurança pública, a tecnologia poderia reproduzir padrões de discriminação racial da sociedade, tendo como alvo a população negra. Ele também endossou a preocupação de especialistas em direitos digitais, que temem possíveis violações à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) com a captura indevida de dados da população.
“Riscos concretos”
“Inúmeros pesquisadores de diversas áreas e instituições renomadas apontam para riscos concretos de reprodução do racismo estrutural no uso do sistema de monitoramento por reconhecimento facial. Exemplifico a assertiva com a referência à pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança, de que 90% das prisões feitas no Brasil por meio dessa tecnologia foram de pessoas negras, e entre elas houve erros de identificação que levaram inocentes à prisão”, escreveu o magistrado.
Pires destacou que algumas cidades, como São Francisco e Boston, nos Estados Unidos, chegaram a proibir o uso desse sistema em seus departamentos de polícia. O prefeito Ricardo Nunes (MDB), por outro lado, afirma que a tecnologia é usada “nas grandes cidades do mundo”.
O objetivo do Smart Sampa é integrar ações de monitoramento das Polícias Civil e Militar e da Guarda Civil Metropolitana (GCM) com as da Companhia Estadual de Trânsito (CET), da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), do Metrô e do Samu.
A prefeitura prevê instalar no Centro da cidade 2,5 mil câmeras. Os aparelhos devem ser instalados no entorno de estabelecimentos como escolas, unidades básicas de saúde (UBS), parques e em áreas de grande circulação e com maior incidência de criminalidade.