Para obter pequenas porções de arroz, palestinos exaustos, munidos de panelas e baldes de plástico, correm em direção a uma cozinha comunitária na Cidade de Gaza, assolada pela guerra e oficialmente considerada em situação de fome pela ONU.
Imagens capturadas no sábado (23/8) mostram jovens desesperados estendendo seus recipientes para serem preenchidos. Gaza, ameaçada de destruição total por Israel caso o movimento islâmico Hamas não aceite um acordo de paz sob suas condições, enfrenta uma crise humanitária sem precedentes.
Em uma dessas cenas, um menino raspa com as mãos os últimos grãos de arroz que ficaram grudados no fundo de uma panela. Mais adiante, sentada à sombra no chão, uma menina se alimenta diretamente de um saco plástico com uma colher.
“Não temos mais casa, nem comida, nem renda (…) somos obrigados a recorrer às cozinhas solidárias, mas elas não são suficientes para aliviar nossa fome”, relata Youssef Hamad, 58 anos, deslocado da cidade de Beit Hanoun, no norte da Faixa de Gaza.
Algumas dessas cozinhas são mantidas por mesquitas ou organizações islâmicas locais. Outras contam com o suporte de ONGs internacionais e agências da ONU.
No início de março, o governo israelense impôs um bloqueio humanitário total à Faixa de Gaza, causando as piores faltas de alimentos desde o início do conflito, desencadeado pelo ataque do Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023. Embora o bloqueio tenha sido parcialmente aliviado no final de maio, a quantidade de ajuda internacional permitida ainda é considerada insuficiente pela ONU e por organizações humanitárias, avaliação esta contestada por Israel.
Após meses de alertas, a ONU declarou oficialmente na sexta-feira que há fome em Gaza, responsabilizando Israel, que rejeitou a acusação, chamando-a de “mentira descarada”, conforme afirmou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
Essa declaração, porém, foi considerada “tardia” por Oum Mohammad, 34 anos, próxima a uma cozinha comunitária em Deir el-Balah, centro da Faixa de Gaza. “Sem comida e água, as crianças (…) às vezes não conseguem se levantar, ficam tontas”, relata.
No sábado, o chefe da agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA) afirmou que “é hora do governo de Israel parar de negar a fome que causou em Gaza”. “Todos que têm influência devem agir com determinação e senso de dever moral”, escreveu Philippe Lazzarini na rede X.
Benjamin Netanyahu atribuiu as carências, que considera temporárias, ao “saque sistemático da ajuda” pelo Hamas. A UNRWA informou que seus estoques na Jordânia e no Egito estão cheios e que há alimentos, medicamentos e produtos de higiene suficientes para abastecer seis mil caminhões.
Enquanto isso, Israel mantém os bombardeios na Faixa de Gaza. Imagens mostram uma densa fumaça sobre o bairro de Zeitoun, na cidade de Gaza, enquanto palestinos buscam nos escombros prédios demolidos.
O porta-voz da Defesa Civil em Gaza, Mahmoud Bassal, descreveu a situação nos bairros de Sabra e Zeitoun como “absolutamente catastrófica”, mencionando “a destruição total de blocos residenciais inteiros”.
“Estamos presos aqui, vivendo com medo, sem ter para onde ir. Não há lugar seguro em Gaza. Mover-se agora é como correr para a morte”, testemunha Ahmad Jundiyeh, 35 anos, deslocado para a periferia norte de Zeitoun.
“Ouvimos sem parar os bombardeios (…) aviões de combate, tiros de artilharia e até explosões de drones”, relata por telefone. “Estamos aterrorizados, com a sensação de que o fim está próximo.”
Na sexta-feira, o ministro da Defesa de Israel, Israel Katz, ameaçou destruir a cidade de Gaza caso o Hamas não aceite desarmar, libertar os reféns sequestrados em 7 de outubro e encerrar o conflito sob as condições impostas por Israel.