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segunda-feira, 11/08/2025

Psicodélicos e organoides: Novas fronteiras na neurociência

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Este artigo foi elaborado por Stevens Rehen, pesquisador do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), e por José Alexandre Salerno, professor do Departamento de Ciências Morfológicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

Psicodélicos e tecnologias celulares inovadoras estão unindo forças para revolucionar nossa visão sobre saúde mental e a consciência humana. Psicodélicos são substâncias que provocam profundas mudanças na percepção, cognição e consciência. Compostos como a dimetiltriptamina (DMT), presente na ayahuasca, e a psilocibina, encontrada em cogumelos do gênero Psilocybe, são utilizados há séculos por diversas culturas tradicionais e moldaram crenças espirituais ao longo da história.

A pesquisa científica moderna começou na década de 1940, quando o químico suíço Albert Hofmann descobriu os efeitos psicoativos do LSD. Entre 1950 e 1965, milhares de artigos foram publicados envolvendo milhares de pacientes em estudos clínicos, inclusive no Brasil, com instituições como USP e UFRJ explorando o potencial dessas substâncias no tratamento de alcoolismo e outras condições. Estudos pioneiros de Humphry Osmond, Abram Hoffer e Sidney Cohen foram fundamentais para estabelecer parâmetros de segurança e eficácia.

Apesar de um período de restrições legais e estigma cultural, no final dos anos 1990 um renascimento da ciência psicodélica ocorreu, alimentado por evidências de seus benefícios terapêuticos para transtornos como depressão resistente, estresse pós-traumático e dependência química, especialmente aliados a psicoterapia assistida.

Entendendo os efeitos dos psicodélicos

Psicodélicos atuam principalmente nos receptores serotoninérgicos do cérebro, causando mudanças na plasticidade neural com efeitos que podem perdurar. Eles têm mostrado resultados promissores no tratamento de sintomas graves e resistentes, mas os mecanismos moleculares ainda demandam estudos aprofundados, o que exige modelos experimentais que representem melhor o cérebro humano.

Modelos humanos in vitro ganham espaço

Modelos animais ajudaram a revelar que os psicodélicos promovem remodelação sináptica e estrutural, mas diferenças entre cérebro humano e animal limitam a tradução dos resultados. A ética e regulamentação para reduzir testes em animais motivam o uso de métodos in vitro com células-tronco humanas, que oferecem alternativas mais adequadas.

Células-tronco pluripotentes (PSCs) podem ser transformadas em organoides cerebrais, mini-cérebros cultivados em laboratório que mimetizam a estrutura e função do cérebro humano. Esses organoides permitem observar, em tempo real, a resposta das células neuronais a substâncias psicodélicas, possibilitando estudos personalizados com células de pacientes variados.

Avanços e possibilidades dos organoides cerebrais

Uma revisão sistemática publicada no periódico iScience analisou mais de 180 estudos, confirmando que organoides são modelos eficientes para investigar plasticidade neural induzida por psicodélicos, inflamação e redes sinápticas. Eles ainda possibilitam avaliar efeitos tóxicos e interações entre diferentes tipos celulares, incluindo neurônios excitatórios, inibitórios, astrócitos e células microgliais, que são fundamentais para a imunidade e desenvolvimento cerebral.

Desafios futuros

Os avanços oferecem a chance de correlacionar respostas clínicas a psicodélicos com a reação das células dos próprios pacientes em laboratório, abrindo caminho para tratamentos personalizados e mais eficazes. No entanto, é necessário aprimorar os modelos para que apresentem maturação e funcionalidade mais próximas do cérebro adulto.

Ferramentas como a edição gênica por CRISPR têm possibilitado modelagem precisa de doenças neurodesenvolvimentais em organoides, enquanto o uso de células de doadores bem caracterizados aumenta a relevância dos estudos. Com a democratização dessas tecnologias, elas se tornarão acessíveis a diversos centros de pesquisa no mundo.

Conclusão

A união entre psicodélicos e organoides cerebrais representa uma fronteira estimulante e transformadora da neurociência moderna. Estamos passando de uma ciência focada em sintomas para uma compreensão celular e molecular da mente humana, observando diretamente a interação dessas substâncias com redes neurais humanas vivas.

Esse avanço abre possibilidades para terapias mais seguras e personalizadas, expandindo nosso olhar para além da psiquiatria, conectando ciência, espiritualidade e subjetividade. Em um momento em que a saúde mental é prioridade global, essa revolução científica pode revelar que as respostas para nossos problemas mais profundos estão dentro de nós, acessíveis por meio das ferramentas adequadas.

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