ADRIANA FERNANDES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
À véspera do ano eleitoral, novas propostas para burlar as regras fiscais colocam as contas públicas em risco para 2027, gerando preocupação entre técnicos do governo, Tribunal de Contas da União (TCU) e especialistas em política fiscal. Todos reconhecem que o arcabouço fiscal, que limita o crescimento das despesas para controlar a dívida pública, precisará ser revisado.
Há pelo menos cinco propostas em discussão no governo e no Congresso que tentam executar despesas fora do Orçamento da União, contestando a meta fiscal, o teto de gastos e as leis que regem as finanças públicas no país.
Entre elas, está o plano para acabar com o limite de R$ 20 bilhões por ano do programa Pé-de-Meia, a garantia do Tesouro Nacional para um empréstimo de R$ 20 bilhões aos Correios, e a mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para que o governo não precise perseguir o centro da meta fiscal.
O Congresso ainda avalia retirar do arcabouço fiscal parte dos gastos com educação e saúde financiados pelo Fundo Social do Pré-Sal, além de valores provenientes de empréstimos internacionais. Também se discute a exclusão de R$ 30 bilhões relativos a despesas militares da meta fiscal e do teto de gastos.
Uma outra proposta estudada pelo governo do presidente Lula é a criação de tarifa zero no transporte público em todo o país, iniciativa que pode custar até R$ 90 bilhões por ano, segundo a Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e a Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu que a tarifa zero nos municípios faz parte da campanha de reeleição de Lula e que um estudo técnico para avaliar a viabilidade está em andamento.
Os técnicos indicam que o governo provavelmente precisará realizar novos ajustes nas regras fiscais para implementar essa ideia a partir de 2026, mesmo que de forma limitada, como a gratuidade apenas nos fins de semana.
Especialistas do Tesouro Nacional, Planejamento, Banco Central e TCU afirmam que uma mudança nas regras fiscais em 2027 deixará de ser uma possibilidade para se tornar uma realidade definitiva.
Eles alertam que o problema não está em uma única medida isolada, mas na soma de todas as exceções às regras fiscais, o que prejudica a transparência e a confiança no compromisso com a responsabilidade fiscal e no controle da dívida pública.
O cenário atual se divide em duas frentes: o enfraquecimento das regras fiscais por um lado, e o esforço do TCU para reforçá-las, inclusive com a possibilidade de rejeitar as contas do governo.
Especialistas do setor privado prevêem que a situação deve piorar com a proximidade das eleições, pois parlamentares tendem a negociar mudanças em troca de aumento nas emendas parlamentares. A grande dúvida é o que acontecerá após as eleições, na transição e no início do próximo governo, diante de tantas modificações nas regras fiscais.
Para o ex-secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, o principal problema é a perda de credibilidade das regras fiscais, que deixam de cumprir seu papel de estabilizar a dívida e controlar os limites de gastos.
Bittencourt, chefe de macroeconomia da instituição financeira ASA, alerta que os ajustes pontuais estão destruindo a confiança em qualquer regra. Ele comenta o projeto que pretende tirar R$ 30 bilhões das regras fiscais para gastos em defesa nacional, destacando que parte desse valor já foi gasto e ajuda a cumprir a meta fiscal deste ano.
Ele observa que o aumento dos gastos com defesa poderia ser acomodado dentro da margem de tolerância permitida pelo arcabouço fiscal, se o governo não tivesse escolhido mirar o piso da meta fiscal, o que abriu espaço para mais gastos. Sua principal preocupação é com a gratuidade das passagens e um possível reajuste no Bolsa Família durante o ano eleitoral.
Bittencourt afirma que o mercado espera um ajuste fiscal a partir de 2027. Contudo, se o governo aumentar despesas obrigatórias, como o reajuste do Bolsa Família em cerca de R$ 20 bilhões ou a tarifa zero que pode ultrapassar R$ 50 bilhões, o ajuste se tornará muito mais difícil.
Para o ex-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Felipe Salto, o ministro Haddad precisará preferir atuar como um defensor do controle fiscal do que como um estimulador de gastos até as eleições.
Salto, economista-chefe da Warren Rena, questiona a frequente flexibilização das regras e acredita que a criatividade para driblar os limites continuará aumentando.
Ele vê com preocupação a decisão do governo de garantir um empréstimo aos Correios, destacando que seria melhor capitalizar a empresa devido ao prejuízo esperado e à falta de caixa.
Salto projeta um déficit de R$ 96,6 bilhões em 2026 e ressalta que, mesmo considerando exceções à meta fiscal, ainda faltariam R$ 38,7 bilhões para atingir o superávit planejado de 0,25% do PIB.
A Fazenda, procurada, não comentou sobre as novas propostas que alteram o arcabouço fiscal, mas destacou que o governo atual deverá apresentar resultado fiscal melhor que seus antecessores, considerando dívidas e gastos extraordinários recentes. A Secretaria de Planejamento não se pronunciou.
Resumo das principais mudanças propostas:
- Gastos com Defesa: Proposta de R$ 30 bilhões para investimentos estratégicos das Forças Armadas em seis anos, sem contabilizar na meta fiscal. Aprovada no Senado e em análise na Câmara.
- Pé-de-Meia: Proposta para eliminar o limite de R$ 20 bilhões, evitando corte durante a campanha eleitoral. Em discussão na Câmara dos Deputados.
- Meta Fiscal: Mudança no artigo da LDO para permitir que o governo persiga o piso da meta fiscal, em negociação no Congresso e julgamento no TCU.
- Pré-Sal: Projeto que exclui do arcabouço fiscal parte dos gastos com educação e saúde financiados pelo Fundo Social do Pré-Sal e por empréstimos internacionais.
- Empréstimo aos Correios: Governo busca empréstimo de R$ 20 bilhões com aval do Tesouro Nacional, alternativa à capitalização da empresa.
- Tarifa Zero no Transporte Público: Estudo para implementar gratuidade nacional total, potencial custo anual de até R$ 90 bilhões, para apoiar a campanha do presidente Lula.
