Minirreforma administrativa proposta pelo governo fere a autonomia das agências reguladoras e permite nomeação política para cargos técnicos
A minirreforma administrativa proposta pelo governo fere a autonomia das agências reguladoras e permite o loteamento político de cargos técnicos que hoje só podem ser preenchidos por funcionários públicos, apontam associações de servidores.
A preocupação aumentou após a Casa Civil ter dado aval para que a filha do ministro Braga Netto ocupasse a vaga de gerente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), com salário de R$ 13 mil, mesmo sem ter formação ou experiência no setor de planos de saúde.
O Estadão/Broadcast teve acesso à minuta da reforma, que cria cargos e gratificações para militares, modifica o modelo de postos comissionados e unifica a nomenclatura das funções do Executivo e das agências reguladoras, conhecida por siglas populares entre o funcionalismo público em Brasília. O texto está em análise na Casa Civil.
O temor dos servidores diz respeito a um trecho que permite a indicação de qualquer pessoa para cargos comissionados técnicos (CCT), hoje restritos aos funcionários públicos. Atualmente, poucas funções nos órgãos reguladores permitem a nomeação de pessoas sem vínculo com a administração pública. Segundo o Fórum Nacional das Agências Reguladoras, que reúne associações de servidores de nove órgãos, se a medida passar, 30% dos cargos poderão ser ocupados por pessoas de fora das carreiras, “o que abre espaço para o indesejável loteamento político”.
Na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), por exemplo, os diretores podem formar uma equipe de assessores mista, com servidores e pessoas de fora do funcionalismo público. Superintendentes também podem vir do setor privado. Essas funções, de livre nomeação, são as que pagam as gratificações mais elevadas. Na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a estrutura é semelhante, mas há também gerentes regionais lotados fora de Brasília, que só podem ser escolhidos entre funcionários concursados.
Pela minuta da medida provisória em análise na Casa Civil, todos esses cargos seriam extintos, inclusive os do Executivo, mais conhecidos pela sigla Direção e Assessoramento Superior (DAS). No lugar das atuais funções das agências reguladoras e do Executivo, o texto prevê a criação de Cargos Comissionados Executivos (CCE), de 1 a 17, com remuneração de até R$ 17.432 15.
A MP também amplia a possibilidade de que pessoas de fora dos quadros do setor público possam ingressar nas agências. Nesse caso, apenas os cargos técnicos de 1 a 4, com valores de R$ 330 79 a R$ 1.199,76, ficariam restritos aos servidores.
O cargo escolhido para Isabela Braga Netto, filha do ministro da Casa Civil, ainda que seja de livre nomeação, é função eminentemente técnica, já que trata da relação entre a agência, planos de saúde e prestadores de serviços, como hospitais. Hoje, esse posto é ocupado por Gustavo de Barros Macieira, servidor de carreira da agência e especialista em Direito do Estado e em Regulação pela Fundação Getulio Vargas (FGV). A filha do ministro é formada em Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas.
Integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) ouvidos pelo Estadão/Broadcast avaliaram, sob reserva, que esse caso se enquadra como nepotismo (contratação de parentes).
A indicação de gerentes e superintendentes sem experiência nas agências é uma prática incomum, embora sejam cargos de livre nomeação, porque eles são responsabilizados pelas decisões tomadas. O apadrinhamento político costuma ser feito em cargos de assessoramento de diretores e conselheiros, nos quais o grau de exposição é menor.
Para o presidente da União Nacional dos Servidores de Carreira das Agências Reguladoras Federais (UnaReg), Elson José da Silva, a indicação da filha de Braga Netto é “absurda” e afeta o objeto final da ANS, que é a fiscalização e regulação do setor. “Isso será pior ainda. A gerência é um cargo de livre nomeação, mas, se passar da forma como estão propondo na minuta, cargos menores de caráter mais técnico ainda, poderão ser ocupados por qualquer pessoa”, disse Silva.
A proposta do governo, de acordo com o Fórum de Associações de Agências Reguladoras, “tem o condão de minar e enfraquecer sua autonomia administrativa, condição outorgada por lei e um dos pilares essenciais para uma regulação eficaz, nos padrões defendidos internacionalmente pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)”.
O texto também abre brecha para que o presidente Jair Bolsonaro modifique, por decreto, os cargos das agências reguladoras. Pela minuta, ele poderia acabar com 15 funções comissionadas da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e criar outras 15 na Agência Nacional de Mineração (ANM), desde que não haja aumento de gasto público. Hoje, para fazer uma mudança dessa natureza seria preciso aprovar um projeto de lei no Congresso.
O Fórum de Associações de Agências Reguladoras avaliou que a proposta de alterar quantitativos “fere frontalmente a autonomia administrativa” outorgada a essas entidades. Para as associações isso representa “ingerência indevida do Executivo, desestabilizando o tripé Estado, entes regulados e usuários, que as agências têm por missão equilibrar”.
O presidente da UnaReg afirmou que a reforma representa um risco para a autonomia financeira e administrativa das 11 agências reguladoras, que reúnem cerca de 10 mil servidores de carreira. “Essa proposta reduz a autonomia das agências reguladoras, especialmente o trecho que autoriza o presidente a migrar funções ao seu bel-prazer”, declarou Silva.
Em nota, o ministério comandado por Braga Netto afirmou que “a referida proposta não se encontra em análise na Casa Civil”. Questionada sobre a indicação da filha do general, a ANS disse existir em andamento um processo para ocupação de cargo de livre nomeação. “Após realização de consulta à Casa Civil, o processo retornou à ANS para análise da diretoria de Desenvolvimento Setorial.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.