Felipe Gutierrez
São Paulo, SP (FolhaPress)
O Projeto de Lei 2.721, de 2021, que está em tramitação no Senado, pode levar a que vários benefícios concedidos a servidores públicos sejam classificados como verbas indenizatórias. Em teoria, esses pagamentos deveriam servir apenas para reembolsar despesas feitas pelo servidor durante sua jornada de trabalho, e normalmente não entram no cálculo do teto constitucional, além de estarem isentos do Imposto de Renda.
Atualmente, muitos benefícios recebidos por servidores não têm uma natureza clara, como o auxílio funeral. O PL 2.721 oferece uma definição precisa para esses casos, mas simultaneamente transforma 32 tipos de pagamento em verbas indenizatórias.
A República.org e a Transparência Brasil, instituições que acompanham políticas públicas, analisaram o texto do projeto e os potenciais impactos da proposta.
Segundo essa análise, aproximadamente R$ 7,1 bilhões em pagamentos que atualmente são reconhecidos como remuneração seriam reclassificados como verba indenizatória pelo PL.
Um dos benefícios que passaria a ser indenizatório é a gratificação por exercício cumulativo. Essa alteração daria respaldo legal para a licença-compensatória, um adicional que somou R$ 2,3 bilhões em pagamentos no ano passado.
Entre os 32 benefícios transformados, 19 são recebidos por membros do Judiciário, totalizando R$ 10,5 bilhões em 2024.
Os estudiosos avaliaram a reclassificação de cerca de 3.300 diferentes denominações de benefícios nos registros do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Conforme o texto, muitos desses pagamentos também existem no Ministério Público, embora o acesso aos dados dessa instituição seja restrito.
Cristiano Pavini, da Transparência Brasil e coautor do estudo, observa que o texto do projeto é ambíguo. Em uma parte, o PL define claramente o que será considerado verba indenizatória. Entretanto, na mesma lei, determina-se que esses pagamentos podem ultrapassar o teto constitucional, mas que devem ser contabilizados como renda sujeita à tributação.
“Esse vácuo pode levar à não cobrança do Imposto de Renda sobre alguns desses benefícios”, explica ele.
Classificar esses pagamentos como verbas indenizatórias pode aumentar os custos do orçamento em certos casos. Por exemplo, as gratificações por exercício cumulativo, que são benefícios previstos em legislações do Judiciário e Ministério Público, garantem que quem exerce múltiplas funções receba, a cada três dias acumulados, um dia extra de salário, impacto que atinge o teto remuneratório.
Para os autores do estudo, alguns pagamentos inicialmente esporádicos passaram a ser frequentes e, por isso, deixam de ser indenizatórios para serem remuneratórios, isto é, passam a integrar o salário. Eles chamam esses pagamentos de “remunerações por desvirtuamento”. Por exemplo, magistrados têm direito a 60 dias de férias por ano e frequentemente trabalham durante parte desse período. Com isso, esses dias passam a ser considerados remuneração.
“São pagamentos que podem começar como indenizatórios, mas que foram tão modificados que devem ser incluídos no cálculo do teto”, comenta Ana Pessanha, da República.org.
“Consideramos que esses pagamentos são privilégios sem paralelo entre outros trabalhadores públicos ou privados. O auxílio-moradia, quando habitual, transforma-se em um privilégio.”