Em escolas públicas e privadas do Distrito Federal e arredores, professores negros mostram que o Dia da Consciência Negra é uma ótima oportunidade para discutir o racismo, mas que o tema deve ser abordado durante todo o ano. Temas como racismo, identidade e pertencimento são muito importantes o ano inteiro. A luta contra o preconceito é diária, feita com a experiência, o corpo e a palavra, quebrando silêncios antigos e enfrentando estruturas ainda marcadas pelo racismo.
Entre avanços e desafios: a aplicação da Lei 10.639
Helder da Silva, professor de História e pedagogo com 15 anos de experiência na rede pública do DF, acompanhou tanto avanços quanto dificuldades na aplicação da Lei 10.639/2003, que obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas do país. Ele destaca que, embora haja mais reconhecimento da importância da cultura afro-brasileira e indígena, o tratamento ainda é superficial e secundário, o que mantém silenciamentos históricos e dificulta o entendimento das próprias raízes e do país.
Segundo ele, muitas ações são feitas apenas em novembro, com abordagens pontuais e superficiais que acabam mostrando a cultura negra de forma isolada, como culinária e arte, o que mascara a realidade brasileira. Como exemplos positivos, destaca projetos que coordenou em 2024 e 2025, envolvendo crianças negras e autistas, e estudantes neurodivergentes inspirados na filosofia Ubuntu, que reforçam a consciência negra de forma profunda e significativa, criando espaços de afeto e pertencimento.
Helder relata que muitas vezes precisou buscar sozinho materiais e projetos, pois a temática ganha visibilidade apenas no mês da Consciência Negra, e o acesso a conteúdos acadêmicos é limitado. Ele também aponta a presença do racismo estrutural no cotidiano, com micro-silenciamentos e exclusões sutis, além da curta duração dos projetos autorais de professores negros, em contraste com a longa valorização de produções brancas.
Um momento marcante para ele foi reencontrar uma ex-aluna que reconheceu o impacto dos projetos ligados à consciência negra, e que passou a assumir seu cabelo afro com orgulho. Para Helder, ter professores negros nas escolas é importante para a autoestima dos alunos, pois representa para eles um reflexo e uma referência positiva.
Apesar de avanços, há resistências evidentes, como o apagamento de religiões africanas e personalidades negras brasileiras contemporâneas, e discursos que minimizam a importância da consciência negra. Ele defende que o combate ao racismo deve ser parte do planejamento escolar durante todo o ano, de forma interdisciplinar, e não apenas em novembro, comparando a necessidade de um compromisso contínuo com o tema ao exemplo da educação inclusiva.
Resistência feminina
Vanusa Alves de Carvalho, professora de Língua Portuguesa com 20 anos de experiência no Colégio Estadual da Polícia Militar de Goiás, é uma importante referência para muitas estudantes negras. Ela destaca que, ao compartilhar sua trajetória, inspira alunos a acreditarem em si mesmos, oferecendo acolhimento especial para meninas que enfrentam críticas relacionadas ao corpo, cabelo e autoestima.
Na escola de Vanusa, a Lei 10.639 é parte do projeto político-pedagógico e o tema é discutido ao longo do ano, com maior foco em novembro, incluindo projetos, apresentações e debates. Mas o racismo ainda se manifesta, muitas vezes disfarçado em frases negativas, e ela intervém para mostrar, com base em história e ciência, o erro dessas afirmações.
A cultura do 20 de novembro mudou a dinâmica escolar, com estudantes esperando e participando ativamente das ações, embora o letramento racial entre os colegas nem sempre seja uniforme. Vanusa se destaca por sua postura firme em defender a pauta, mesmo enfrentando críticas.
Além da sala de aula, ela também escreve e compartilha poemas que valorizam figuras negras que foram apagadas da história oficial, cumprindo assim seu papel de ampliar o conhecimento sobre a contribuição negra no Brasil.
Um olhar acadêmico
Jacqueline Moraes Teixeira, antropóloga e professora universitária, reforça que o Dia da Consciência Negra é importante simbolicamente, mas insuficiente para enfrentar o racismo estrutural. Ela destaca a necessidade de práticas antirracistas incorporadas ao cotidiano escolar, nas disciplinas e relações diárias.
Com vasta experiência na área, Jacqueline aponta desafios como a falta de formação adequada, ausência de materiais e insegurança dos professores. Ela defende que as universidades têm papel fundamental na formação de educadores comprometidos com o combate ao racismo, e que a presença de docentes negros fortalece o debate e amplia referências.
A escola pública, marcada pela diversidade e desigualdades históricas, precisa assumir o compromisso de combater essas desigualdades com ações contínuas, revisando práticas pedagógicas, ampliando referências e dando espaço para as histórias da população negra, além de celebrar apenas em datas específicas.
Helder, Vanusa e Jacqueline mostram que a resistência negra no ambiente escolar é constante e presente todos os dias: nas aulas, nos corredores, nas reuniões, no apoio aos estudantes, na correção de falas racistas, na produção literária, nos debates e no enfrentamento das estruturas historicamente excludentes. Esta resistência é, acima de tudo, a insistência em existir e ensinar em espaços onde sua presença foi negada por séculos.
