Durante o voo de volta de sua visita oficial ao Reino Unido, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sugeriu que as emissoras que o criticam deveriam ter suas licenças retiradas, aumentando a tensão com os meios de comunicação. Em entrevista à RFI, a professora de ciências políticas Élizabeth Sheppard-Sellam alertou para um ambiente de medo dentro das redações de televisão nos EUA. Conforme ela, muitas empresas cedem à pressão governamental por receio de perder fusões e autorizações concedidas pela FCC, agência que atualmente está sob forte influência do Executivo.
Donald Trump afirmou ter ouvido que as redes de TV apresentavam 97% de cobertura negativa contra ele, apesar de isso não ter impedido sua vitória. Ao retornar a Washington, comentou: “Acho que talvez a licença delas devesse ser retirada.”
Estas declarações, feitas a bordo do Air Force One, causaram amplo impacto, ao sugerir sanções a canais como ABC e NBC, intensificando o debate sobre a liberdade de imprensa nos Estados Unidos.
Ambiente de medo nas emissoras
A suspensão do apresentador Jimmy Kimmel, após críticas a Donald Trump, reacendeu as discussões sobre liberdade de expressão e a pressão política nos meios norte-americanos. Élizabeth Sheppard-Sellam ressaltou que, apesar de não ser legalmente possível retirar licenças por críticas ao presidente, inúmeras formas indiretas de pressão levam os grupos de mídia à autocensura ou a decisões editoriais cautelosas, para evitar represálias.
Ela citou o cancelamento do programa de Stephen Colbert na CBS, oficialmente por razões financeiras, mas que pode estar ligado ao clima de pressão existente. Como muitas empresas estão em processos de fusão e dependem da aprovação da FCC, hoje influenciada pelo Executivo, isso as coloca em posição delicada.
Censura velada e pressão econômica
A nomeação do atual chefe da FCC por Donald Trump deixa as emissoras vulneráveis, que às vezes cedem à pressão sem sequer receber uma solicitação formal. No caso de Kimmel, o temor se manifestou mesmo sem pedido direto. Além disso, grandes redes como CBS e NBC preferiram pagar para encerrar processos judiciais com o presidente, mesmo com chances reais de vitória, refletindo o ambiente tenso e temeroso.
Produtores do programa “60 Minutes” chegaram a deixar suas funções e divulgaram uma carta que descreve o clima atual como um cenário que gera autocensura.
Desafios jurídicos e políticos
Élizabeth Sheppard-Sellam destacou que o atual momento é surpreendente do ponto de vista legal, já que a Primeira Emenda da Constituição dos EUA protege amplamente a liberdade de expressão, e nem Colbert nem Kimmel violaram a lei. Assim, não é o ordenamento jurídico que está regulando esta situação, e sim a pressão política sobre instituições federais e tribunais, que cresce com o avanço do chamado Projeto 2025, idealizado por ultraconservadores.
Segundo ela, a Primeira Emenda existe para proteger os cidadãos, não os governantes.
Perspectivas para o futuro
Quanto às propostas dos democratas para garantir a liberdade da imprensa por meio de nova legislação, a especialista é pessimista, já que o Congresso não tem maioria democrata e mudanças legais são difíceis. Enquanto alguns governadores estaduais buscam reagir, a nível federal as possibilidades são limitadas.
O ponto central desse desafio está na capacidade das instituições resistirem à pressão política, pois a submissão das empresas de mídia por medo compromete gravemente a qualidade da democracia nos Estados Unidos.