Porta-voz de grupo que apoia os rebeldes disse que prisão do presidente “não é um golpe militar, mas uma insurreição popular”. País tem histórico de golpes
Após ser vítima de um golpe militar, o governo do Mali renunciou. O presidente Ibrahim Boubacar Keita fez pronunciamento na televisão ainda na noite desta terça-feira, 18, e anunciou que Parlamento e o governo estão dissolvidos. “Não quero que sangue seja derramado para que eu continue no poder”, disse o presidente, segundo a AFP.
O canal de televisão estatal do Mali havia ficado fora do ar por horas seguidas após a série de detenções ontem, antes de voltar no início da noite com programação gravada e com o pronunciamento do presidente Keita.
O presidente e importantes autoridades do governo foram detidos na terça-feira por soldados rebeldes na capital Bamako. O caso mergulha em uma crise ainda mais profunda o país que já enfrenta uma insurgência jihadista e protestos populares.
À detenção de Keita em sua residência na capital, se seguiram horas de incerteza. Os soldados se amotinaram durante a manhã na base militar de Kati, nos arredores da capital, e detiveram, além do presidente, uma série de autoridades civis e oficiais militares.
O primeiro-ministro, Boubou Cissé, havia pedido diálogo mais cedo e exigido que os rebeldes entregassem suas armas, mas também foi preso.
Não ficou imediatamente claro quem estaria liderando os soldados rebeldes ou quais eram as motivações do grupo. Um porta-voz das Forças Armadas do país disse não ter informações, segundo a Reuters.
O Mali vive uma intensa crise política, com protestos diários nas ruas há pelo menos dois meses contra o governo do presidente Keita. A oposição está reunida sob o chamado Movimento 5 de Junho, que tem uma grande presença de militares.
A coalizão do movimento, que está por trás de protestos populares que pedem a renúncia do presidente, indicou apoio ao ato dos amotinados. O porta-voz Nouhoum Togo disse à Reuters que o acontecimento “não é um golpe militar, mas uma insurreição popular”.
Organizaçoes internacionais condenaram o golpe, mas parte dos moradores da capital e opositores foi fotografada comemorando nas ruas. Organizações como a Comunidade dos Estados da África Ocidental (Cedeao), da qual o Mali faz parte, disseram ser contra o Motim. O secretário-geral da ONU, António Guterrez, pediu liberação “imediata” das autoridades.
Colônia francesa durante o período colonial, o Mali é um país de 19 milhões de habitantes e um dos mais pobres do mundo. O país fica na região conhecida como África Ocidental, cujo principal setor da economia é a agricultura de clima tropical — no caso do Mali, mais de 80% dos trabalhadores está na agricultura e as principais atividades são plantio de algodão, criação de gado e exploração de ouro. O Mali faz fronteira com países como Argélia, Níger, Costa do Marfim e Senegal.
A França, que até hoje tem negócios e interesses econômicos no Mali, condenou o golpe e disse que é preciso respeitar “a soberania e a democracia” no Mali. O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, disse que um golpe “nunca é a solução para uma crise, por mais profunda que seja”.
O Mali tem uma longa história de golpes desde sua independência em 1960. Logo em 1968, veio o primeiro pós-independência, liderado também pelo militar Moussa Traoré. Traoré ficaria no poder, como primeiro-ministro e depois presidente, até 1991, sob um regime militar.
Traoré foi retirado do poder por novo golpe, em 1991. Seguiu-se um governo de transição que elaborou uma nova constituição antes que o país realizasse suas primeiras eleições democráticas, só em 1992.
As décadas que se seguiram foram de estabilidade para o Mali, que se tornou um dos países mais estáveis politicamente na África. Mas outro golpe militar, em 2012, derrubou o então presidente Amadou Toumani Touré (sem relação com o presidente Traoré da década de 1960). Desde então, o país sofre nova onda de instabilidade, secas, violência étnica e religiosa e pobreza extrema.
(Com agências internacionais)