TULIO KRUSE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Prefeituras de cidades pequenas estão autorizando empresas de apostas esportivas, conhecidas como bets, a funcionarem com pouca fiscalização, por causa de taxas muito baixas.
Algumas dessas empresas usam endereços falsos para conseguir autorização. Isso tem feito com que muitas empresas, possivelmente falsas, sejam abertas.
No município de Bodó (RN), por exemplo, cerca de 30 empresas de jogos de azar foram registradas no mesmo endereço, o número 1 da rua Central. Essa concentração é a maior do Brasil, embora a cidade tenha pouco mais de 2 mil habitantes.
Mas, na verdade, essa casa número 1 não existe, segundo os Correios locais. Os números começam em 7 para os ímpares e 10 para os pares na rua Central.
Esse tipo de credenciamento feito pelas prefeituras é considerado ilegal pelo governo federal e está sendo analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) depois que o partido Solidariedade pediu a proibição dessas loterias municipais.
O Ministério da Fazenda tem monitorado as apostas irregulares e, a pedido dele, a Anatel já derrubou mais de 18 mil sites de apostas. Várias cidades já criaram leis para permitir suas próprias loterias, e pelo menos 31 municípios têm processos para liberar bets e empresas de pagamento.
Um dos benefícios oferecidos pelas prefeituras é o valor baixo para pagar pela autorização para operar. Enquanto o governo federal cobra R$ 30 milhões para até três sites de apostas, em Bodó a taxa é de apenas R$ 5 mil.
Quase todas as empresas registradas no endereço falso de Bodó (24 no total) tiveram como sócio o engenheiro Camilo Roma de Brito, presidente da Associação Nacional das Loterias Municipais e Estaduais (Analome).
Brito é sócio de um filho do ex-prefeito de Bodó, Marcelo Mario Porto Filho, que criou a loteria municipal Lotseridó durante sua gestão. O atual prefeito é aliado do ex-prefeito. A reportagem tentou contato com Brito, mas ele respondeu apenas dizendo que possui três empresas de apostas atualmente e que elas estão inativas desde dezembro de 2024, aguardando definição nacional, sem comentar os endereços falsos.
Quatro empresas no endereço falso foram autorizadas pela Lotseridó. A lista das empresas credenciadas é divulgada em sites de compras públicas, que também abrem prazo para envio de documentos para autorização.
Essa autorização dá a impressão de que as apostas funcionam legalmente, embora o governo considere ilegal.
A Lotseridó autorizou bets não apenas em Bodó, mas também em cidades grandes como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, além de outras menores. Algumas empresas do presidente da Analome estão também em endereços inexistentes em Toritama (PE).
Brito afirma que a empresa credenciada em Toritama nunca funcionou e que o CEP da cidade cobre toda a área, negando registros falsos.
Algumas das bets autorizadas pela Lotseridó estão fora do ar, mas a empresa Pinbet, que aceita apostas esportivas e jogos eletrônicos, ainda opera em um endereço real, uma loja em shopping de Toritama que Brito já administrou.
Lá, outras sete empresas já tiveram Brito como dono. Quatro são intermediadoras de pagamentos autorizadas pela Lotseridó e outras três são bets autorizadas pela loteria municipal local.
As prefeituras de Bodó e Toritama não responderam à reportagem.
A advogada criminalista Ilana Martins Luz alerta que esses sinais indicam irregularidades e podem justificar investigações, pois empresas de apostas podem ser usadas para lavagem de dinheiro. Por exemplo, apostas altas podem servir para mascarar origem de dinheiro ilegal.
Medidas federais tentam controlar o setor, proibindo apostas em dinheiro físico, exigindo cadastro dos apostadores e bloqueando sites ilegais por bancos.
A prefeitura de Bodó já foi avisada pelo Ministério da Fazenda e pela loteria do Paraná de que autorizar essas apostas fere a lei.
Brito defende que as decisões do STF de 2020 deixaram claro que cada ente federado pode criar seus serviços públicos de loteria, contestando a posição do Ministério da Fazenda de que só o governo federal teria essa competência.