A possível realização de um encontro entre o presidente russo, Vladimir Putin, e o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, com mediação do governo norte-americano e eventual participação de Donald Trump, enfrenta desafios diplomáticos principais – especialmente a disputa territorial e o futuro da Ucrânia na Otan. Apesar do encontro trilateral ser visto como um marco político, as condições para um cessar-fogo duradouro ainda são distantes.
Segundo o coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília (UCB), Gustavo Menon, os pontos em aberto dificultam o progresso:
“De um lado, a Ucrânia não aceita negociar a perda de territórios. Do outro, a Rússia condiciona qualquer diálogo ao reconhecimento das áreas que controla e à restrição da expansão da OTAN. Esses dois aspectos, por si só, praticamente inviabilizam um cessar-fogo imediato”, afirma.
Caminhos e obstáculos
Para Menon, o Kremlin insiste que qualquer reunião seja cuidadosamente preparada, passando por etapas desde encontros técnicos até negociações ministeriais antes de alcançar o nível presidencial.
Representantes russos têm reforçado que os líderes só deveriam se reunir quando os acordos de paz estiverem bem alinhados, para evitar desgaste entre as delegações por idas e vindas constantes.
Enquanto isso, o local do encontro ainda não foi definido. Países neutros como Suíça e Áustria, e a Turquia, foram citados como possíveis anfitriões. A sugestão do presidente russo para a reunião ocorrer em Moscou foi recusada por Kiev.
Além disso, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, afirmou que Moscou não descarta nenhum formato de negociação – seja bilateral ou trilateral – envolvendo Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky. Ele ressaltou, porém, que qualquer iniciativa com líderes importantes precisa ser organizada com extremo cuidado.
O papel de Trump
Um elemento novo é a tentativa de Donald Trump de se posicionar como mediador. Após receber Putin no Alasca e Zelensky em Washington, ele declarou ter iniciado contatos para viabilizar uma cúpula trilateral. Não é novidade que o ex-presidente dos EUA busque se projetar como um “presidente da paz”, colocando-se no centro das disputas globais.
A presença de Trump nas negociações tem forte simbolismo e pode representar mais uma estratégia de imagem do que uma real busca por um acordo eficaz.
A Casa Branca considera que um encontro entre os presidentes europeu-orientais pode ocorrer em até duas semanas, porém, a participação de Donald Trump na reunião trilateral depende do sucesso da etapa bilateral.
Posições de Moscou e Kiev
Na opinião do advogado internacionalista Julian Rodrigues Dias, tanto Moscou quanto Kiev mantêm posições rígidas e exigências difíceis de conciliar.
Lavrov repete que não há reunião planejada e que um encontro só ocorrerá com uma agenda fechada. Já a Ucrânia condiciona a cúpula a garantias concretas de segurança, similares ao Artigo 5 da OTAN, e acusa Moscou de tentar impedir o encontro.
Trump trouxe o diálogo à tona novamente e prometeu pressionar líderes europeus para oferecer garantias à Ucrânia. Contudo, segundo Dias, isso não altera as demandas do Kremlin.
Moscou exige o reconhecimento das perdas no Donbass, o abandono da entrada da Ucrânia na Otan e a neutralidade militar do país. Além disso, há indícios de que a Rússia questiona a legitimidade de Zelensky, buscando um custo político e territorial para iniciar as negociações.
A Europa e as garantias de segurança
A imprensa internacional informou que a cúpula em Washington resultou em novos acordos:
- Kiev comprometeu-se a adquirir até 100 bilhões de dólares em armas dos EUA, financiadas por países europeus;
- Washington e Kiev firmaram acordo de 50 bilhões de dólares para aumentar a produção de drones militares;
- Zelensky defendeu o uso dos 300 bilhões de dólares em ativos russos congelados no Ocidente para a reconstrução da Ucrânia.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, reiterou que a União Europeia e os EUA estão dispostos a oferecer fortes garantias de segurança, combinando apoio militar e econômico.
O secretário-geral da OTAN, Mark Rutte, esteve em Kiev e reforçou que os aliados trabalham em arranjos de segurança. Bruxelas e outras capitais europeias defendem que a Ucrânia esteja no centro de qualquer negociação, sem acordos feitos às suas costas.
“Há apoio para negociações, mas com cautela. Rutte fala em garantias robustas; Kaja Kallas exige que Moscou sinta o custo por prolongar a guerra. Ao mesmo tempo, surgem vozes pedindo ‘realismo’ quanto ao território, mostrando fissuras dentro da União Europeia”, avalia Dias.
Simbolismo ou efetividade?
Apesar da movimentação diplomática, especialistas avaliam que uma eventual cúpula trilateral dificilmente levará a um acordo imediato. Para eles, o encontro teria principalmente um valor simbólico, sinalizando abertura, mas sem resolver questões-chave como a disputa territorial, garantias de segurança e presença militar russa.
Na avaliação, a reunião pode abrir caminho para um roteiro mais consistente de negociações, embora os resultados concretos possam demorar a surgir.