Na 67ª Cúpula do Mercosul, realizada em 20 de dezembro em Foz do Iguaçu (PR), houve um clima evidente de frustração, pois o tão esperado acordo de livre comércio com a União Europeia (UE) não foi assinado conforme planejado.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve presente acompanhado pelos presidentes da Argentina, Javier Milei, do Uruguai, Yamandú Orsi, e do Paraguai, Santiago Peña, que assumiu a presidência temporária do Mercosul no evento.
Também participaram o ministro das Relações Exteriores da Bolívia, que recentemente aderiu ao bloco, e representantes de países associados.
Além da ausência do acordo com a UE — cuja assinatura está agora prevista para 12 de janeiro —, ficou claro o desacordo entre Lula e Milei em relação à situação da Venezuela, sob crescente pressão militar dos Estados Unidos. Milei é um dos principais representantes da ultradireita na América do Sul e é aliado próximo do ex-presidente americano Donald Trump.
Durante a abertura da cúpula, Lula afirmou que uma intervenção armada na Venezuela seria uma catástrofe humanitária para o hemisfério e um precedente perigoso para o mundo. Em contrapartida, Milei descreveu o regime venezuelano como uma “ditadura atroz e inumana” e declarou que a Argentina apoia a pressão dos Estados Unidos para libertar o povo venezuelano.
A declaração final da cúpula não abordou a situação da Venezuela, que está suspensa do Mercosul desde 2017 devido ao descumprimento da cláusula democrática do bloco.
Na semana anterior à cúpula, Milei provocou o Brasil ao publicar imagem que retratava os países governados pela esquerda na América do Sul como uma grande favela, ao passo que os governados pela direita eram apresentados como cidades futuristas.
Diante do conflito entre os líderes e da possibilidade de o acordo com a UE não se concretizar, surge a dúvida sobre as perspectivas do Mercosul para expandir seus mercados e influência no futuro.
Impacto sem o acordo com a União Europeia
O agronegócio brasileiro, que é o principal ponto de preocupação dos países europeus contrários ao tratado — como França, Polônia e Itália —, tem seu mercado já bastante consolidado na Ásia e, portanto, pode não sofrer grandes perdas sem o acordo, segundo o professor de relações internacionais da FAAP, Vinícius Vieira.
Entretanto, a indústria brasileira poderia ser mais afetada a longo prazo, perdendo oportunidades de inserção em cadeias globais de valor e de atrair investimentos estrangeiros. Vieira aponta que a indústria se beneficiaria ao receber investimentos e ao poder atender mercados externos, incluindo América Latina, África, Europa e Estados Unidos.
Uma projeção do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio do Brasil indica que a indústria seria a mais beneficiada num horizonte de 20 anos, com aumento de 26,6% nas exportações para a UE, seguida pelo setor de serviços (14,8%) e agronegócio (6,7%).
Além disso, sem o acordo, o Mercosul perde a oportunidade de diminuir a dependência excessiva da China no mercado agrícola e de se proteger contra práticas protecionistas oriundas dos Estados Unidos. Em termos políticos, o maior prejuízo recairia sobre Lula, que investiu muito na negociação do acordo.
Novas oportunidades comerciais
Apesar das divergências internas, a busca por novos mercados continua sendo prioridade para o Mercosul, conforme aponta o professor Pedro Brites, da FGV. Embora uma integração profunda entre os países-membros seja improvável, acordos comerciais podem ser firmados.
Recentemente, o Mercosul firmou acordos de livre comércio com Singapura e com os países da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), que inclui Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça.
O bloco também está avançando em negociações para acordos com Emirados Árabes Unidos, Canadá, Índia (ampliação do acordo atual) e mantém diálogos iniciais com Japão, Indonésia e Vietnã.
Esses mercados são estratégicos: no Sudeste Asiático, há crescimento da classe média; o Canadá busca diversificar suas parcerias comerciais; o Japão procura alternativas em meio à tensão entre EUA e China; e os Emirados Árabes podem trazer investimentos significativos para o Brasil.
Brites destaca ainda que o Japão tem se aproximado de entidades brasileiras para facilitar a abertura de seu mercado, inclusive para a carne bovina brasileira. Contudo, todas essas negociações enfrentam desafios, como resistências internas e potenciais tensões geopolíticas na Ásia.
Comércio interno do Mercosul e desafios
Apesar das iniciativas para expandir o comércio exterior, o Mercosul ainda tem uma grande margem para reforçar o comércio entre seus próprios países. O comércio intrabloco representa apenas 11% do total da região, percentuais bem inferiores aos da União Europeia (61%) e da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean, 21%).
Durante a presidência rotativa do Brasil, houve esforços para estimular micro e pequenas empresas, principalmente lideradas por mulheres, a participarem do comércio regional.
Além disso, o Mercosul aprovou a criação de uma comissão para combater o crime organizado transnacional, envolvendo órgãos de justiça e segurança pública dos países membros.

