JOÃO GABRIEL DE LIMA
LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS)
O primeiro-ministro Luís Montenegro, que foi reconduzido ao cargo recentemente, usou uma metáfora do futebol durante discurso na Assembleia da República, o parlamento português, nesta terça-feira (17): “Vamos jogar com cabeça, usando os dois pés, e até parar a bola no peito quando for necessário”.
Nesta sessão parlamentar, iniciou-se a análise do programa de governo de Montenegro, focando especialmente na chamada “Agenda Transformadora”. Caso o premiê adote uma postura agressiva como prometido, as decisões poderão impactar significativamente a vida dos brasileiros e outros imigrantes residentes no país.
Um dos principais pontos da Agenda é implementar, ao menos na teoria, “uma política de imigração controlada e com respeito humanitário”. Na prática, o governo pretende dificultar o acesso dos imigrantes para obtenção de documentos para seus filhos e cônjuges via Reagrupamento Familiar.
O período mínimo para solicitar passaporte português será estendido, ultrapassando os atuais cinco anos previstos na legislação. Os vistos de trabalho ficarão restritos a profissionais com “alta qualificação”. Além disso, o governo deseja edificar centros de retenção para imigrantes sem documentação e facilitar os processos de deportação, entre outras ações.
Essas propostas, neste momento, são apenas intenções. Dado o sistema semiparlamentarista de Portugal, todas as medidas ainda serão debatidas, possivelmente alteradas e postas à votação em uma Assembleia da República onde o governo não detém maioria. Este processo pode se estender por semanas ou meses e reflete uma mudança recente no debate social em Portugal. Até o ano passado, a imigração não era um tema central no debate público, mas agora tornou-se prioritário.
Em levantamento realizado em março de 2024 pelo instituto brasileiro Ipespe para a CNN de Portugal, a imigração ocupava apenas a 11ª posição como preocupação dos eleitores. Já em outubro, 10% da população portuguesa considerava o tema prioritário, segundo pesquisas do centro Aximage. Tal percentual cresceu para 41% em abril deste ano, segundo o mesmo centro.
Esse aumento pode ser parcialmente atribuído ao discurso agressivo contra imigrantes nas redes sociais do partido de ultradireita Chega. Outro motivo está relacionado a fatos concretos. Os portugueses passaram a ver em noticiários longas filas na sede da Agência para Integração, Migrações e Asilo (Aima), órgão responsável pelo atendimento dos estrangeiros no país.
O discurso e as imagens geraram a percepção de uma “imigração fora de controle”, termo usado pelo Chega — que também foi repetido por integrantes da Aliança Democrática, a coligação de centro-direita que venceu as eleições e governa atualmente.
A situação atual dos imigrantes em Portugal é resultado de decisões políticas recentes. Há cerca de 20 anos, a União Europeia recomenda que estrangeiros sejam admitidos apenas com vistos obtidos em seus países de origem. Em vez de ampliar sua rede de consulados globalmente, Portugal optou por permitir a entrada de imigrantes com visto de turista, possibilitando que solicitem residências posteriormente via uma figura legal chamada Manifestação de Interesse — um procedimento único em Portugal.
Contudo, o investimento do governo para atender esses imigrantes foi insuficiente, gerando longas esperas na Aima por documentos definitivos.
“Na prática, as pessoas já não conseguem agendamento para Reagrupamento Familiar, exceto por meio de decisão judicial”, afirma a advogada brasileira Érica Acosta, especialista em imigração. “Desde outubro de 2024 não há vagas para pedidos de autorização de residência.” Segundo a advogada, as medidas propostas pelo governo podem institucionalizar a negligência.
Alguns dados ajudam a contextualizar o debate. Graças aos cerca de 1,3 milhão de estrangeiros oficialmente residentes, o sistema de seguridade social do país se sustenta — esses imigrantes pagam impostos e, por serem em geral mais jovens que a média da população, utilizam menos os serviços públicos de saúde e previdência.