Uma obra de arte do século XVII, subtraída pelos nazistas em Amsterdã, na Holanda, durante a Segunda Guerra Mundial e que esteve desaparecida por várias décadas, foi achada em uma residência na Argentina. A pintura estava pendurada na sala de estar de uma das filhas de um ex-membro da oficialidade nazista, conforme divulgado pelo jornal holandês Algemeen Dagblad (AD), que localizou o retrato na segunda-feira, 25 de agosto.
No dia seguinte, autoridades argentinas realizaram uma busca na casa localizada na cidade costeira de Mar del Plata, como parte de uma investigação sobre a possível origem do quadro, que acredita-se ter sido saqueado de um colecionador judeu há aproximadamente 80 anos.
A obra, intitulada Retrato de Dama, foi pintada pelo artista italiano Giuseppe Vittore Ghislandi e fazia parte da coleção do comerciante judeu Jacques Goudstikker. Este faleceu em 1940 enquanto tentava escapar dos nazistas. Sua coleção, com mais de 1.100 itens, incluindo pinturas de renomados artistas como Rembrandt e Vermeer, foi vendida a valores muito abaixo do mercado a altos oficiais do regime nazista, entre eles Hermann Göring.
Depois de roubada, a pintura passou a pertencer a Friedrich Kadgien, um oficial nazista próximo a Göring e membro da organização paramilitar Schutzstaffel (SS). Kadgien fugiu inicialmente para a Suíça e depois para a América do Sul, estabelecendo-se na Argentina, onde faleceu em 1978, em Buenos Aires. Arquivos da época indicam que ele acumulou diamantes e obras de arte por meio de extorsão em Amsterdã.
O banco de dados oficial da Holanda, mantido pela Agência do Patrimônio Cultural, reconhece o Retrato de Dama como parte da coleção de Goudstikker, que antes da invasão nazista, em maio de 1940, mantinha uma importante galeria de arte.
Apesar de várias tentativas, o jornal AD não conseguia contato com as filhas de Kadgien, que evitavam comentar o passado do pai. A obra só foi encontrada depois que uma das filhas colocou sua mansão à venda em uma imobiliária argentina e as fotos do interior mostraram a pintura na sala de estar.
Especialistas da Agência do Patrimônio Cultural da Holanda afirmam não haver motivos para acreditar que a obra seja uma cópia, já que as dimensões conferem com os dados arquivados sobre a peça desaparecida desde 1946. Entretanto, só uma análise do verso da tela poderá confirmar a autenticidade por meio de etiquetas ou marcas originais.
A imobiliária Robles Casas & Campos não comentou o caso. Embora o anúncio da casa ainda estivesse disponível na noite de 26 de agosto, a imagem do quadro parece ter sido retirada.
O promotor federal Carlos Martínez informou que a pintura não foi localizada na residência, mas a polícia apreendeu outros objetos que podem contribuir para a investigação, incluindo armas e gravuras. As autoridades avaliam possíveis acusações relacionadas à ocultação e contrabando.
Os herdeiros de Goudstikker já declararam a intenção de reivindicar a pintura. Marei von Saher, de 81 anos, afirmou que busca retornar todas as peças roubadas da coleção do sogro para restaurar seu legado. Em 2006, após uma longa batalha judicial, o governo holandês devolveu 202 pinturas saqueadas da coleção ao governo e à família Von Saher.
A recuperação da pintura agora localizada pode desencadear processos judiciais prolongados caso os atuais detentores se neguem a entregá-la. Os herdeiros ressaltam que a disputa pode ser complexa e já notificaram formalmente sua reivindicação após a publicação da reportagem.
Além disso, investigadores da Agência do Patrimônio Cultural da Holanda identificaram outra obra desaparecida nas redes sociais das filhas de Kadgien: uma natureza-morta floral do artista holandês Abraham Mignon.
Esse episódio reabre um capítulo sombrio da história da Argentina, que foi refúgio para vários nazistas que fugiram da Europa para escapar de julgamentos por crimes de guerra após a Segunda Guerra Mundial. Entre eles estavam membros influentes do partido e responsáveis pelo Holocausto, como Adolf Eichmann.
Durante o governo do general argentino Juan Perón, que comandou o país de 1946 a 1955, diversos nazistas fugitivos aportaram com bens saqueados de propriedades judaicas, incluindo ouro, obras de arte, esculturas e móveis. O destino desses objetos ainda é tema de investigações e disputas, evidenciando a complexidade e o sofrimento ainda ligados à restituição desses bens na Argentina e no resto do mundo.