ADRIANA FERNANDES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
Mais de 25% dos dividendos que hoje não pagam imposto no Brasil vêm de empresas que têm no máximo um funcionário. Em 2023, quando o total de dividendos distribuídos chegou a R$ 960 bilhões, os donos dessas pequenas empresas receberam quase R$ 250 bilhões sem pagar Imposto de Renda.
Esse levantamento foi feito pela Receita Federal, cruzando dados das declarações de Imposto de Renda das pessoas físicas com informações contábeis e fiscais das empresas.
As empresas com apenas um funcionário são cerca de 30% da amostra analisada. Elas gastam pouco com salários, mas têm uma média de lucro de 31,5% sobre o faturamento. As empresas com até cinco funcionários representam metade das empresas no Brasil e recebem 45% dos dividendos distribuídos aos residentes.
Essa renda elevada sem imposto está no foco de um projeto que aumenta a faixa de isenção do Imposto de Renda para ganhos até R$ 5.000 e cria um imposto mínimo para tributar os super-ricos, compensando a perda de arrecadação com a desoneração. A proposta pode afetar os dividendos, que hoje são isentos.
O projeto foi apresentado pelo governo e é relatado pelo ex-presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). O texto, já aprovado em comissão especial e com tramitação de urgência liberada no plenário, mantém o imposto mínimo para quem ganha a partir de R$ 50 mil por mês, com alíquota de 10% para quem ganha acima de R$ 1,2 milhão por ano. A votação deve acontecer em breve na Câmara dos Deputados.
Os ganhos acima de R$ 50 mil mensais correspondem a cerca de metade dos R$ 960 bilhões distribuídos a sócios e acionistas.
Atualmente, o Brasil é um dos poucos países, junto com Estônia e Letônia, que não cobram Imposto de Renda sobre dividendos. A justificativa dos defensores dessa isenção é que o lucro das empresas já é taxado com altas alíquotas de IRPJ.
No entanto, um estudo do Observatório Tributário Europeu, em parceria com a Receita Federal, aponta que a alíquota efetiva paga pelas empresas é muito menor do que a oficial de 34%.
Por exemplo, empresas pequenas do Simples pagam menos de 5% em impostos na maioria dos casos. No lucro presumido, a taxa varia de 10% a 20%, e para grandes empresas no lucro real, entre 15% e 25%.
A análise da Receita mostrou que muitas empresas pagam menos de 1% de imposto sobre seu lucro real. Entre as menores, 70% pagam tão pouco, e entre as maiores, de 10% a 20% também apresentam taxas baixas, devido aos vários incentivos fiscais existentes.
Conforme o projeto, o empreendedor que recebe dividendos poderá ficar isento do imposto adicional ou ter redução se comprovar que a empresa já pagou cerca de 34% em impostos. Para os técnicos da Receita, essas informações mostram a necessidade de mudar a forma de tributar.
Em reunião com a Frente Parlamentar da Agropecuária, Arthur Lira afirmou não conhecer deputados contrários à isenção total do IR para quem ganha até R$ 5.000 e redução gradual para quem recebe até R$ 7.350. Contudo, ressaltou que a compensação na arrecadação será tema de debate no plenário.
Na véspera da votação, o secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, disse à Folha de S.Paulo que está confiante na aprovação do projeto e que a reforma da tributação da renda no Brasil é uma questão de justiça e decência.