Raphael Di Cunto, Victoria Azevedo e Carolina Linhares
Brasília, DF (Folhapress)
A rejeição da PEC da Blindagem pelo Senado, pouco tempo depois de ter sido aprovada pela Câmara dos Deputados, causou tensão entre as duas Casas, enfraqueceu o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) até mesmo junto a seus aliados e gerou dúvida sobre a viabilidade de um acordo para diminuir penas para os condenados por atos golpistas, com a anistia sendo rejeitada.
Esse conflito entre Câmara e Senado também aumentou a desconfiança mútua entre Motta e partidos tanto de esquerda quanto de direita, com acusações de descumprimento de acordos por ambas as partes.
A PEC, que exigia autorização do Congresso para processos criminais contra parlamentares, foi aprovada com forte empenho de Motta, que entrou em contato pessoalmente com colegas para garantir votos e mobilizou líderes partidários aliados para obter o apoio necessário.
A proposta obteve 344 votos favoráveis contra 133, uma vitória em um tema que nem mesmo Arthur Lira (PP-AL), conhecido como articulador político, tinha conseguido assegurar como presidente da Câmara. Porém, essa aparente demonstração de força acabou se tornando um problema para Motta quando a PEC foi rejeitada unanimemente pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado.
Quatro líderes partidários relataram que a relação com Motta está abalada e que enfrentam questionamentos internos acerca da autoridade do parlamentar na presidência da Câmara e sobre eles mesmos como representantes de seus partidos, pois foram os responsáveis por firmar o acordo com o presidente da Casa.
No PDT, por exemplo, a posição favorável à PEC causou uma crise interna e o líder do partido na Câmara, Mário Heringer (MG), chegou a colocar o cargo à disposição. Motta havia prometido à esquerda ajudar a rejeitar um pedido de urgência para a anistia em troca de apoio, mas acabou pautando esse pedido e articulou com o centrão para aprová-lo, contrariando a maioria do PT que era contra a PEC.
Na mesma quarta-feira, o líder do PP, deputado Doutor Luizinho (RJ), aliado próximo de Motta, criticou o Senado e seu presidente, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), em reunião com o relator do projeto de redução de penas, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP).
Doutor Luizinho acusou o Senado e Alcolumbre de comportamentos erráticos, lamentando a quebra de acordos e defendendo que Paulinho da Força alinhe previamente o projeto de anistia ou redução de penas com senadores para evitar episódios semelhantes.
Paulinho da Força disse que buscará contato com Motta e Alcolumbre para tentar reconstruir a relação entre Câmara e Senado, essencial para a votação da redução de penas.
Deputados informaram que Motta afirmou ter acordado com Alcolumbre levar a PEC diretamente para votação no plenário do Senado para acelerar a aprovação e evitar desgaste exclusivamente na Câmara. No entanto, no dia da aprovação na Câmara, Alcolumbre encaminhou a PEC para a CCJ, gerando críticas de senadores e opinião pública.
Os presidentes das Casas tinham uma relação próxima desde o início do ano, mas após o episódio a relação se deteriorou, com relatos de que Alcolumbre não atendeu ligações de Motta e que eles não se encontraram esta semana.
Aliados de Alcolumbre negam a existência do acordo e consideram o incidente um mal-entendido causado pela pressão da sociedade civil contrária à PEC. Milhares de pessoas foram às ruas em protestos convocados pela esquerda, surpreendendo a cúpula da Câmara, que não esperava tamanha mobilização, estimada em mais de 40 mil pessoas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Além disso, houve pressão nas redes sociais, levando deputados a gravar vídeos pedindo desculpas pela posição favorável à proposta.
Agora, os parlamentares indicam que dificilmente seguirão a orientação de Motta em votações de temas impopulares, especialmente próximos das eleições.
Isso também abrange o projeto que visa reduzir penas dos condenados pelos ataques golpistas. Parlamentares suspeitam que o Senado possa travar eventual aprovação da Câmara.
Motta enfrenta um impasse, pois seu compromisso com ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) é de não aprovar anistia, mas o PT rejeita o acordo que reduziria penas em troca da rejeição do perdão ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Com isso, Motta vai depender somente do centrão para aprovar o projeto, mas aliados receiam que o grupo não se mantenha unido frente à pressão das redes sociais.
Em reunião com Paulinho da Força, um líder partidário confessou ter perdido seis mil seguidores por não votar na urgência da anistia. Ele afirmou que ao menos três deputados de sua bancada são contra o perdão, mas votariam a favor por receio do eleitorado.
Aliados de Paulinho da Força propõem que o projeto só seja levado a votação se houver garantia de que o PL não apresentará requerimento para escolher entre anistia e redução de penas no voto. Contudo, acreditam que Motta não tem poder suficiente para controlar o partido nesse sentido. Representantes influentes do centrão concordam que o processo ficará fora de controle quando o texto for votado.
Apesar desse impasse, três aliados de Motta afirmam que nenhum projeto deve avançar neste momento, devido às sanções aplicadas pelo governo dos EUA contra o entorno do ministro Alexandre de Moraes, relator no STF dos processos relacionados aos atos golpistas.
O governo americano incluiu na lista de sanções a advogada Viviane Barci de Moraes, esposa de Alexandre de Moraes, além de uma empresa ligada à família do ministro, conforme anunciado na segunda-feira (22). Isso ocorreu apesar das negociações com o STF para manter Bolsonaro em prisão domiciliar após sua condenação, considerando a idade e estado de saúde.
Segundo deputies, é preciso aguardar a repercussão dessas sanções diminuir antes de retomar as negociações para aprovar um texto que seja consensual.