O Partido Socialista (PS), do primeiro-ministro António Costa, teve uma vitória contundente nas eleições gerais deste domingo em Portugal, obtendo quase 42% dos votos, mais do que o previsto nas pesquisas pré-eleitorais. O PS, que comanda o governo desde 2015, alcançou agora a maioria absoluta dos deputados na Assembleia da República, com ao menos 117 das 230 cadeiras legislativas.
O Partido Social Democrata (PSD), de centro-direita e principal sigla da oposição, ficou com quase 28% dos votos e fez ao menos 71 cadeiras. As eleições também foram marcadas pelo avanço do partido de extrema direita Chega, que teve a terceira maior votação, com 7% dos votos, e pelo recuo das siglas à esquerda do PS, como o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP).
As eleições, antes previstas para 2023, foram antecipadas após o governo de Costa fracassar na aprovação do Orçamento de 2022, em outubro do ano passado.
— Esta noite é muito especial para mim. Depois de seis anos de exercício de funções como primeiro-ministro, depois dos últimos dois anos num combate sem precedentes contra uma pandemia, é com muita emoção que assumo esta responsabilidade que os portugueses me confiaram — disse António Costa. — Foi uma vitória da humildade, da confiança e pela estabilidade.
O premier comemorou a maioria absoluta para o PS:
— Uma maioria absoluta não é o poder absoluto. Não é governar sozinho. É uma responsabilidade acrescida.
Em setembro, antes da convocação das eleições, o PS sofreu uma dura derrota ao perder o comando da prefeitura de Lisboa depois de um domínio de 14 anos, um resultado considerado “frustrante” por Costa. Na semana passada, na reta final de campanha, pesquisas chegaram a apontar o PSD à frente, mas a tendência não se confirmou.
— Apesar de um certo desencanto com o Partido Socialista, a maioria dos eleitores considera que Costa tem mais competência e experiência para governar que Rui Rio, um economista de 64 anos elogiado por sua sinceridade e autenticidade — afirmou à AFP a cientista política Marina Costa Lobo, referindo-se ao líder do PSD.
Racha na esquerda
Com seus 7,15% dos votos, o Chega, liderado pelo deputado André Ventura, tirou votos da direita tradicional e passará de um para ao menos 12 deputados na Assembleia da República. Como seus homólogos no resto da Europa, o partido da direita radical se apoia em um discurso contra imigrantes, incluindo os brasileiros, além de defender a extinção dos serviços públicos de saúde.
— Que grande, grande noite. O Chega prometeu e cumpriu. Somos a terceira força política em Portugal — disse Ventura. — António Costa, eu vou atrás de ti agora — acrescentou, prometendo uma “verdadeira oposição” ao PS.
O quarto lugar na votação também surpreendeu pelo desempenho da Iniciativa Liberal. A sigla que defende o liberalismo econômico clássico teve quase 5% dos votos, superando o Bloco de Esquerda e o PCP, que tiveram ambos em torno de 4,5% dos votos.
Entre 2015 e 2019, o BE e o PCP participaram de uma coalizão de governo informal liderada por Costa, conhecida como Geringonça. Na época, começaram a ser revertidas parte das medidas de arrocho econômico implementadas pelo governo anterior da centro-direita depois da crise financeira de 2008.
Costa desfez a Geringonça depois que o PS venceu as eleições de 2019, e, mesmo sem obter na época a maioria parlamentar, apostou que negociaria seus projetos caso a caso. A estratégia chegou ao limite quando BE e PCP votaram com a direita contra a proposta de Orçamento para 2022, considerando-a pouco ambiciosa em termos sociais. A derrota do projeto levou à dissolução do Parlamento e à convocação do pleito deste domingo.
Em entrevista ao Diário de Notícias, o líder parlamentar do BE, Filipe Soares, culpou os socialistas pelo resultado ruim do seu partido.
— A estratégia de chantagem do Partido Socialista parece ter dado resultado, com ajuda de uma bipolarização forçada, criada ao longo das últimas semanas — disse o dirigente do Bloco de Esquerda.
O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, disse que os resultados decepcionantes do BE e da aliança entre os comunistas e os Verdes, a Coligação Democrática Unitária (CDU), refletiram “uma significativa perda de deputados”.
A CDU foi derrotada em distritos tradicionalmente dominados pelos comunistas, como Seixal, onde ficou atrás do PS e do PSD. Outra derrota simbólica para os comunistas ocorreu no distrito de Santarém, com o deputado António Filipe ficando sem lugar na Assembleia da República pela primeira vez desde 1987.
Eleição com Ômicron
Com Portugal registrando recordes de infecções por Covid-19 por causa da variante Ômicron — a média móvel está em 55 mil casos diários — , os locais de votação mantiveram um protocolo rígido de segurança, com uso obrigatório de máscaras e distanciamento. Segundo a Direção Geral de Saúde, até 783 mil pessoas aptar a votar estavam cumprindo isolamento após terem sido diagnosticadas com a Covid-19 ou terem tido contato com infectados, mas as autoridades eleitorais permitiram sua ida às urnas, recomendando o horário entre 18h e 19h.
Apesar do surto, o número de internações é menor do que em outros picos da pandemia, algo creditado às políticas adotadas pelo governo de Costa, incluindo a vacinação: cerca de 90% dos portugueses tomaram as duas doses e 48% a dose de reforço, os maiores índices da União Europeia.
Num país onde o voto não é obrigatório, a abstenção ficou em 42%, taxa ainda considerada alta, mas inferior à das eleições de 2019, quando passou de 51%. O primeiro desafio de Costa será aprovar o Orçamento deste ano. Seu próximo governo contará com os fundos europeus do pacote de recuperação pós-pandemia para incentivar o crescimento. Portugal receberá € 13,9 bilhões em doações e € 2,7 bilhões em empréstimos até 2026.