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segunda-feira, 25/11/2024
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Papa volta a enviar perito para apurar abusos

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Papa Francisco defendeu o bispo Juan Barros Madrid, acusado de acobertar crimes de outro religioso, Fernando Karadima
Angelo Carconi/EFE

Preocupado – e até irado, por ter sido enganado em alguns casos, como dizem assessores próximos -, Papa Francisco nomeará, nesta quinta-feira (14),  uma nova comissão de peritos para investigar abusos na Igreja. Nesta quarta-feira, 13, uma nova operação policial contra 14 sacerdotes mirou o Tribunal Eclesiástico de Santiago. Enquanto isso, quase 2 mil casos de denúncias contra o clero por abuso sexual se acumulam no Vaticano, sem definição.

Procurado para falar sobre o assunto, oficialmente o Vaticano afirma que continua trabalhando nos casos do Chile e destaca a nova comissão que será enviada para “investigar e aprofundar as investigações sobre os abusos”. Nesta quarta, a polícia fez uma operação policial em Santiago para obter documentos da Igreja na investigação de abusos sexuais ocorridos por anos em Rancagua (a 80 km ao sul de Santiago). Ali, 14 padres são acusados de envolvimento em abusos sexuais em uma escola.

As denúncias de abuso datam de 2007 e há poucas provas a respeito – por isso, a busca e apreensão envolvem até o Tribunal Eclesiástico. “Ninguém está à margem da lei”, afirmou o fiscal regional de O’Higgins, Emiliano Arias. O caso voltou a público na semana passada e, preventivamente, a Santa Sé suspendeu os 14 religiosos.

Ainda em Santiago, como enviado do papa para acompanhar a situação naquele país, o arcebispo de Malta, Charles Scicluna, defendeu colaboração da Igreja com a sociedade civil. “O abuso de menores não é somente um delito canônico, também é um delito civil.” Como resposta conjunta, será aberto um escritório somente para receber denúncias de abuso.

Escândalo

A discussão sobre o tema foi ampliada este ano. Em janeiro, Francisco defendeu o bispo Juan Barros Madrid, acusado de acobertar crimes de outro religioso, Fernando Karadima. Antes, em 2015, ele já havia escolhido Barros para liderar uma importante diocese no país e passou a insistir que não existiam provas contra ele.

Karadima foi quem supostamente abusou do chileno José Andres Murillo, ainda em sua infância. Outra vítima, o britânico Peter Saunders contou à reportagem do jornal O Estado de S. Paulo que, ainda em 2015, levou o caso para a atenção do Vaticano. “A resposta que eu recebi dos cardeais era que o papa não teria tempo em sua agenda para avaliar uma situação em um lugar obscuro do mundo”, disse. “Esse tal lugar obscuro do mundo hoje está causando um problema enorme”, completou.

Em maio, o líder da Igreja mudaria seu tom. O que causou isso foi o resultado de uma investigação que Francisco encomendou em total sigilo e resultou em 2,3 mil páginas de uma detalhada avaliação. Ao concluir a leitura do informe, o papa enviou carta aos bispos sul-americanos, descrevendo sua “dor e vergonha”.

Dentro do Vaticano, aliados do papa insistem à reportagem que ele foi enganado. Tal ira foi traduzida em um comunicado em que reconheceu que cometeu “sérios erros de avaliação e de percepção sobre a situação, especialmente por causa da falta de informação verdadeira e equilibrada”. Em público, ele pediria perdão pelos “graves erros” – que levariam à renúncia coletiva dos bispos chilenos. Três renúncias foram aceitas nesta semana: Juan Barros, de Osorno, Gonzalo Duarte e Cristian Caro de Puerto Montt.

Orgulho

Conforme a reportagem apurou, apenas em 2012, último ano antes da posse de Francisco, a Santa Sé recebeu informações sobre 612 casos de abusos – 418 deles eram contra crianças. Nos anos entre 2006 e 2012, 3 mil casos contra o clero foram apresentados à cúpula da Igreja. Em 2014, no segundo ano de Francisco, muitos começaram a ver uma resposta para a questão dos abusos. Uma das vítimas de abusos por padres na adolescência, o britânico Peter Saunders contou à reportagem que se sentiu orgulhoso da Igreja quando Francisco decidiu criar uma comissão a respeito. E ainda mais impressionado quando o Vaticano o convidou a fazer parte da Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores. “Eu sinceramente acreditei que algo seria feito”, disse.

“Mas eu fazia muitas perguntas e, um dia depois de um ano e meio, questionei o Vaticano sobre o que exatamente que havíamos avançado”, afirmou ele. No dia 16 de fevereiro de 2015, Saunders foi convidado a se retirar da comissão, sob o pretexto que ele deveria “refletir melhor” sobre como iria ajudar nos trabalhos. “Até aquele momento, o papa nunca tinha ido a uma reunião da comissão e, em uma das oportunidades que eu tive, o questionei sobre sua ausência.”

Quanto ao trabalho da Comissão para a Proteção de Menores, o Vaticano indica que, em seus primeiros quatro anos, o órgão “trabalhou com mais de 200 dioceses e comunidades religiosas no mundo para criar uma consciência e educar pessoas sobre a necessidade de proteção em casas, paróquias, escolas, hospitais e outras instituições”. Para a entidade, introduzir uma cultura de prevenção continua sendo “o objetivo e maior desafio”.

Punições

O que incomoda ainda as vítimas é que as punições não têm sido exemplares. Em 2014, Silvano Tomassi, embaixador do Vaticano na ONU, declarou que a Santa Sé investigou 3,4 mil casos entre 2004 e aquele ano – e 848 padres foram destituídos. Mas outros 2,5 mil apenas foram enviados a mosteiros para que tenham uma vida de “oração e penitência”.

Para o francês François Devaux, também vítima de abuso sexual em sua infância em uma Igreja de Lyon, a estimativa é de que entre 4% e 5% dos padres no mundo podem estar envolvidos em algum tipo de crime. Na Austrália, os dados oficiais de uma investigação apontaram para 7% dos padres.

A avaliação de Devaux é de que a pressão popular tem obrigado o Vaticano a reagir. “Mas pedimos medidas urgentes”, disse. “Não queremos destruir a Igreja. A questão agora é como o papa vai lidar com o que ele mesmo reconheceu ser um problema”, completou

O chileno José Andres Murillo, um dos que denunciaram a situação em seu país ao papa Francisco e foi vítima de abusos, confirmou à reportagem a resistência que ainda existe dentro do Vaticano para tratar do assunto. “Em um encontro que tive com o papa, eu sugeri que ele olhasse o que estava ocorrendo também na África. Mas ele me disse que não achava que ali era um problema grande. Eu lhe disse: o senhor está errado.”

Lição

Murillo ainda rejeita a tese de que Francisco não tinha informação sobre o que ocorria no Chile. “É impossível. Eu mesmo lhe entreguei tudo.” Mas a esperança, interna e mesmo entre as vítimas, é que o caso sirva de “lição” ao papa e o ajude a mudar de uma forma permanente sua convicção.

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