Francisco pediu para ser enterrado em caixão de madeira e fora do Vaticano. Com o Trono de São Pedro vago, a Igreja começa a preparar os rituais fúnebres e a organizar o conclave. O mundo homenageia um dos papas mais populares da história
Até nos últimos momentos, Francisco foi fiel e leal à simplicidade que se mostrou característica em todos os 4.422 dias de seu pontificado. O jesuíta argentino Jorge Mario Bergoglio morreu na residência de Santa Marta, na Cidade do Vaticano, aos 88 anos. “Nesta manhã, às 7h35 (2h35 em Brasília), o bispo de Roma, Francisco, retornou à casa do Pai. Sua vida inteira foi devotado ao serviço do Senhor e de Sua Igreja”, anunciou o cardeal Kevin Farrell, carmelengo da Igreja Católica, em um comunicado publicado pelo Vaticano, em seu canal do Telegram. O bispo de Roma partiu no dia do 2778º aniversário da cidade e no 154º aniversário de sua ascensão ao status de capital da Itália. Foi o fim de um calvário que incluiu 38 dias de internação no hospital Gemelli, em Roma, para tratar de uma pneumonia dupla.
Francisco deixou um pedido expresso para que seja enterrado em um caixão de madeira simples revestido de zinco. Também recomendou que o sepultamento ocorra do lado de fora dos muros do Vaticano, uma ruptura com a tradição de mais de um século na Igreja Católica — os seus antecessores, João Paulo II e Bento XVI, descansam na Basílica de São Pedro. “Sentindo que o fim da minha vida terrena se aproxima e com uma viva esperança na vida eterna, desejo expressar minhas vontades testamentárias unicamente quanto ao local do meu sepultamento”, afirma o testamento do jesuíta argentino, datado de 29 de junho de 2022. “Sempre confiei a minha vida e o ministério sacerdotal e episcopal à Mãe do Nosso Senhor, Maria Santíssima. Por isso, peço que os meus restos mortais repousem, esperando o dia da ressurreição, na Basílica Papal de Santa Maria Maior.”
No testamento, Francisco também forneceu instruções precisas sobre o local de descanso: “o nicho localizado na nave lateral entre a capela Paulina (capela Salus Populi Romani) e a capela Sforza da basílica papal mencionada anteriormente”. Em outro exemplo de simplicidade, aconselhou que seu sepultamento seja “feito de terra, sem nenhuma decoração particular e com uma única inscrição: Franciscus”.
Após o anúncio da morte, começaram os rituais solenes de vacância do cargo e os preparativos para o funeral. Na tarde de ontem, o site do Vaticano publicou uma imagem com a frase Apostolica Sedes Vacans (A Sé Apostólica está vaga, em latim). A Igreja Católica observa, desde ontem, um período de luto chamado de Papal interregnum — o intervalo entre a morte de seu líder e a eleição do próximo. Francisco deverá ser sepultado entre o quarto e o sexto dia depois de sua morte: entre sexta-feira e domingo. O corpo será velado a partir de amanhã na Basílica de São Pedro, onde os fiéis terão a oportunidade de se despedir de seu pastor. A data do funeral será anunciada pelos cardeais hoje.
Segundo o protocolo da Igreja, os serviços funerários terão duração de nove dias. Os 135 cardeais eleitores que escolherão o sucessor do ocupante do Trono de São Pedro terão entre 15 e 20 dias para organizar o conclave. Mais de dois terços deles foram nomeados por Francisco.
Poucas horas antes de morrer, Francisco desejou estar perto dos fiéis para celebrar a ressurreição de Cristo. O líder de 1,4 bilhão de católicos apareceu na varanda da Basílica de São Pedro, ao meio-dia de domingo (7h em Brasília). Tinha a voz frágil. O papa proferiu a tradicional bênção Urbi et orbi (À cidade de Roma e ao mundo). Pouco depois, surpreendeu a todos e deu uma volta na Praça de São Pedro, a bordo do papamóvel. Pela última vez, o pastor se aproximava de suas ovelhas. Francisco deixa a Igreja Católica órfã, no momento em que a instituição enfrenta um encolhimento, especialmente no Brasil, com o crescimento das igrejas neopentecostais.
Ao anoitecer, milhares de fiéis, alguns com flores e velas, se reuniram para orar o rosário na Praça São Pedro, no Vaticano. “Perdemos nosso pai espiritual”, lamentou Riccardo Vielma, um venezuelano de 31 anos que se prepara para ser sacerdote, em entrevista à agência France-Presse.
A causa da morte foi divulgada na tarde de ontem: acidente vascular cerebral, coma e colapso cardiocirculatório irreversível. Segundo comunicado assinado por Andrea Arcangeli, diretora do Departamento de Saúde e Higiene do Estado da Cidade do Vaticano, o falecimento foi confirmado por eletroencefalograma.
Joseph Fessio, vaticanista e ex-aluno do papa Bento XVI, afimou ao Correio que Francisco será lembrado como um pontífice pastoral. “Ele levou a Igreja às periferias e via a Igreja como um ‘hospital de campanha’, onde cuidamos dos feridos. Também será lembrado por sua ênfase no carisma dos jesuítas, mas também como um papa ambíguo, que fez declarações formal e informalmente, capazes de interpretações ortodoxas e heterodoxas”, comentou. “Ele será um testamento da proteção do Espírito Santo e da direção da Igreja.”
Homenagens
A comoção pelo papa de todas as fés se espalhou pelo planeta. Líderes de vários países renderam homenagens a Francisco. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decretou luto oficial de sete dias. O americano Donald Trump confirmou que comparecerá ao funeral, no Vaticano. “Melania e eu iremos ao funeral do papa Francisco, em Roma. Estamos ansiosos para estar lá!”, escreveu em sua rede, Truth Social.
O secretário-geral da Organização Mundial das Nações Unidas (ONU), António Guterres, disse que Francisco foi um “mensageiro da esperança, da humildade e da humanidade”. Israelenses e palestinos se uniram em um tributo ao chefe da Igreja Católica. O presidente de Israel, Isaac Herzog, chamou Francisco de “um homem de profunda fé e compaixão sem fim”. Mahmud Abbas, líder da Igreja Católica, homenageou “um amigo fiel do povo palestino”, que reconheceu a Palestina como Estado. O grupo terrorista Hamas divulgou comunicado no qual diz que “Francisco foi um notável defensor do diálogo interreligioso”, pedindo compreensão e paz entre os povos.