Ricardo Ghelman, professor colaborador do Departamento de Medicina em Atenção Primária à Saúde na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), escreveu um artigo publicado na plataforma The Conversation Brasil sobre a Estratégia global da Organização Mundial da Saúde (OMS) para as Medicinas Tradicionais no período de 2025 a 2034. Este documento, adotado por 170 nações durante a 78ª Assembleia Mundial da Saúde em maio, transcende uma simples orientação técnica: reconhece oficialmente a importância dos sistemas médicos tradicionais, muitos deles com raízes ancestrais, como parte essencial na resposta aos desafios de saúde contemporâneos, desde que respaldados por evidências científicas e integrados de maneira segura aos sistemas nacionais de saúde.
A OMS destaca a necessidade de ampliar pesquisas de alta qualidade sobre Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI), reforçar regulamentações, assegurar a segurança dos pacientes e promover a inclusão dessas práticas nos sistemas formais de saúde. Essa iniciativa global reconhece práticas como acupuntura, fitoterapia, medicina ayurvédica, medicina tradicional chinesa e medicina antroposófica como modos válidos de cuidado, desde que devidamente estudados e contextualizados.
Desde a Conferência de Alma-Ata em 1978, os saberes indígenas e a medicina tradicional são reconhecidos como fundamentais na atenção primária à saúde, especialmente nos países onde são o principal recurso terapêutico para 80% da população. A nova estratégia da OMS reforça essa valorização.
Congresso global no Brasil
Para outubro de 2025, está previsto o 3º Congresso Mundial de Medicina Tradicional, Complementar e Integrativa (3rd WCTCIM), a ser realizado no Rio de Janeiro. Este evento será o primeiro na América Latina e servirá para o pré-lançamento da Biblioteca Global de Medicina Tradicional, que disponibilizará gratuitamente evidências científicas reunidas pelo Global Traditional Medicine Centre (GTMC/OMS).
O Brasil tem se destacado no cenário internacional, especialmente graças à Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, vigente desde 2006 e que atualmente reconhece 29 práticas. Em 2024, o Sistema Único de Saúde registrou mais de nove milhões de atendimentos na área, indicando uma demanda crescente e a crescente institucionalização dessas terapias.
Instituições brasileiras como o Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN) e o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME/OPAS) são responsáveis pela gestão da Biblioteca Virtual em Saúde de MTCI e pela elaboração de mapas que sintetizam evidências científicas, contribuindo para políticas públicas fundamentadas e seguras.
Apesar dos avanços, o Brasil enfrenta desafios estruturais como a formação de profissionais qualificados, integração das práticas nos serviços de saúde e insuficiência de financiamento, dificultando a ampliação do acesso a cuidados integrativos centrados na pessoa e culturalmente adequados.
Entre as práticas amplamente utilizadas estão a acupuntura e auriculoterapia para dor crônica; valeriana, passiflora e óleo de lavanda para insônia e ansiedade; yoga e tai chi chuan para hipertensão arterial; e meditação mindfulness para depressão, todas presentes no SUS e com grande aceitação pela população.
O congresso mundial no Brasil não é apenas uma oportunidade para expor a diversidade de saberes nacionais e internacionais, especialmente de regiões sub-representadas como África, Oriente Médio, Sudoeste Asiático e América Latina, mas também uma ocasião para fortalecer o protagonismo do Sul Global nos debates científicos internacionais.
Este evento poderá impulsionar o aprimoramento das políticas nacionais, ampliar a colaboração científica e promover a criação de modelos de pesquisa culturalmente sensíveis, especialmente para práticas indígenas e de matriz africana. Para consolidar a integração entre saberes ancestrais, ciência e saúde pública, é fundamental avançar tanto na produção de evidências como na escuta ativa das comunidades e profissionais que empregam essas práticas diariamente, guiados pelo compromisso com o bem-estar integral.
É fundamental superar a divisão tradicional entre medicina alternativa e medicina científica para construir uma medicina do futuro mais diversa, eficaz e integradora, valorizando saberes em prol do indivíduo, das comunidades e da saúde do planeta.