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sexta-feira, 22/11/2024
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O que o Brasil precisa para voltar a crescer? Pesquisadores lançam relatório com propostas para 2023

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De IR isento na base a novo Auxílio Brasil, grupo que inclui Pérsio Arida e Bernard Appy reuniu propostas para “salto qualitativo” nas políticas do Brasil

Propostas para o Brasil: os pesquisadores Bernard Appy, Carlos Sundfeld, Francisco Gaetani, Marcelo Medeiros, Pérsio Arida e Sérgio Fausto assinaram documento lançado nesta sexta-feira (Cesar Okada/Getty Images)

A quase dois meses das eleições de outubro, um grupo de pesquisadores divulga nesta sexta-feira, 5, um documento conjunto e apartidário que reúne propostas sugeridas para o próximo governo.

Assinam o texto Bernard Appy, Carlos Ari Sundfeld, Francisco Gaetani, Marcelo Medeiros, Pérsio Arida e Sérgio Fausto.

O grupo é composto por nomes com conhecimento do setor público e seus desafios, incluindo ex-servidores e ex-secretários — que colaboraram em governos dos dois lados do espectro político. O documento vem sendo debatido há mais de um ano, segundo os signatários, e é de iniciativa pessoal, sem ligação direta com as instituições às quais os autores pertencem.

“É uma contribuição da sociedade civil para o próximo governo”, disse  Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal e autor de uma das propostas de reforma tributária em discussão atualmente no Congresso.

“O objetivo do grupo foi montar um conjunto de propostas que atendesse a duas diretrizes fundamentais: redução de desigualdades com maior proteção dos mais pobres e medidas que contribuam para um crescimento mais robusto da economia brasileira”, diz Appy.

Intitulado “Contribuições para um Governo Democrático e Progressista”, o texto traz pontos que vão do combate à desigualdade social a sugestões para tributação, maior eficiência do Estado, melhoria na confiança do mercado e política ambiental.

Dentre as propostas estão renda mínima para todos os brasileiros (que incluiria a substituição do Auxílio Brasil, ineficiente na visão dos autores), alternativas para inclusão de trabalhadores informais na estrutura de proteção social e uma reforma tributária com foco tanto no consumo quanto na renda.

“O Brasil tem um problema importante em seu sistema de proteção social, que só cobre bem os trabalhadores do setor formal e exclui cerca de metade da força de trabalho”, diz Marcelo Medeiros, professor da Universidade Columbia, nos EUA, e que atua em estudos sobre desigualdade. “Temos formas de melhorar as coisas sem causar um dano grave no orçamento.”

O grupo sugere leve adaptação no teto de gastos para comportar alguns dos planos sugeridos, mas não sua exclusão sem a aprovação de um regime fiscal substituto, pelos impactos negativos que a mudança poderia causar nas expectativas e taxa de juros.

“O Estado necessário para enfrentar esses desafios não é um Estado que prometa fazer tudo, tampouco um que se limite à regulação”, conclui o texto, afirmando que o Brasil é capaz de um “salto qualitativo” nas políticas. Veja abaixo alguns dos destaques e acesse aqui o documento na íntegra.

1. Teto de gastos “ajustado”
Idealmente, o texto afirma que o Brasil precisará de um “novo regime fiscal” nos próximos anos. Uma mudança necessária incluiria não só uma regra fiscal (como é o atual teto de gastos), mas melhorias no processo orçamentário no Congresso e redução na estrutura de alguns dos gastos obrigatórios, de modo que seja possível financiar políticas realmente prioritárias.

Porém, os autores propõem uma alternativa temporária até que um novo regime fiscal se materialize — o que poderia no limite levar até 2026, quando o atual teto de gastos expira e terá de ser invariavelmente rediscutido.

Até lá, a proposta é ter um “programa especial de gastos”. O atual teto de gastos seria mantido, mas o governo poderia gastar fora do teto com algumas frentes prioritárias (sendo elas proteção social, sustentabilidade ambiental e aumento da produtividade via ciência, tecnologia e inovação). Esse gasto fora do teto, no entanto, não poderia superar 1% do PIB.

Os gastos públicos também “não devem ser dirigidos a áreas passíveis de investimento pelo setor privado — como infraestrutura, a ser atendida com mais e melhores contratos de concessão”, diz o texto.

“É uma política fiscal até relativamente dura”, argumenta Appy à EXAME. “Sinaliza claramente que são fundamentais medidas que reduzam despesas obrigatórias para aumentar o crescimento de longo prazo. Mas defendemos também uma flexibilização no curto prazo para ter medidas que sustentem esse crescimento.”

2. Risco fiscal no radar
Os autores calculam que haveria inicialmente um aumento da relação dívida/PIB com parte das propostas apresentadas, como os gastos sociais prioritários.

Mas projetam que, com a manutenção do teto, reformas modernizantes (incluindo a administrativa), queda nos gastos obrigatórios e investimentos em políticas prioritárias que sustentem o crescimento do PIB, a dívida chegue a patamar menor no longo prazo.

“A taxa de juros real em 6% é indicador de falta de confiança na solvência fiscal do Brasil. O Brasil está em uma situação fiscal que não é confortável. Mas a avaliação do grupo é que não está também à beira da falência”, diz Appy. “O que o projeto propõe é dizer: sim, entendemos que essa é uma questão importante, mas tem de ser atacada dos dois lados.”

Uma das apostas para o crescimento do PIB no longo prazo, por exemplo, são os investimentos em ciência e tecnologia e desenvolvimento sustentável, como energias renováveis, mercado de carbono e avanços na agricultura 4.0. “O Brasil tem condições para ser um dos grandes protagonistas no processo de transição para uma economia de baixo carbono”, diz o texto.

3. Renda mínima, mas sem Auxílio Brasil
Um programa de renda mínima para brasileiros abaixo da linha da extrema pobreza é prioridade no documento. O grupo afirma que o Auxílio Brasil, que substituiu o antigo Bolsa Família neste ano, tem desenho “claramente ineficiente e mal focalizado” e deveria ser substituído.

A proposta básica, explica Medeiros, bebe da base do Bolsa Família com as já conhecidas transferências para cidadãos de baixa renda (com custo estimado de R$ 115 bilhões).

A novidade seria a inclusão de uma outra linha de atuação, que busque a ampliação da proteção social a trabalhadores que hoje estão fora do radar do Estado.

Um segundo programa, nesse sentido, seria a chamada Poupança Seguro Família (ao custo de cerca de R$ 30 bilhões), uma proposta apresentada em outro estudo recente e que os autores citam como alternativa para aumentar a proteção dos trabalhadores de baixa renda e informais — grupos cuja fragilidade econômica em tempos de crise a pandemia escancarou.

Investimentos na primeira infância também são vistos como uma das prioridades na frente de proteção social, por seus impactos durante toda a vida das crianças.

Medeiros argumenta que é possível aplicar essas mudanças com o orçamento que o Brasil já tem hoje, mesmo sem as outras reformas sugeridas (ainda que sejam desejáveis), porque o valor dos benefícios pode ser calibrável a depender dos recursos disponíveis.

4. Previdência para além da CLT
A busca por ampliar a formalização de trabalho e renda é outro eixo do programa, mas as pautas partem do reconhecimento de que cerca de 40% dos brasileiros estão no mercado de trabalho informalmente, uma “metade esquecida” da força de trabalho.

Uma proposta é que a contribuição previdenciária passe a ser obrigatória e uniforme para os trabalhadores com renda informal, os por conta própria ou os que estão em regimes simplificados (MEI e Simples).

Isso faria com que benefícios previdenciários hoje restritos a trabalhadores com carteira assinada fossem, no futuro, estendidos a mais pessoas. Na outra ponta, a medida contribuiria com a sustentabilidade fiscal da Previdência ao ter novos contribuintes.

“A ideia é criar esse mecanismo para estender a proteção social e incluir mais gente, incluir a grande massa dos trabalhadores hoje não contemplados e lidar com as mudanças acontecendo no mercado de trabalho”, diz Medeiros.

Para além de colocar os autônomos e informais no mapa, a velha busca por incentivar a contratação de trabalhadores formais também é discutida no texto. A proposta principal é desonerar impostos na folha do trabalhador formal, principalmente na fatia equivalente ao primeiro salário mínimo (mesmo para quem ganha mais de um salário, os primeiros R$ 1.212 seriam os mais desonerados, portanto). Para o restante dos salários, haveria também alguma redução nos encargos de empregados e empregadores, embora com desoneração menor que a proposta para o salário mínimo.

5. Reforma tributária
No geral, a ideia é que não haja aumento da carga tributária, mas readequações no modelo. O grupo defende a aprovação de reformas sobre a tributação do consumo (o que aumentaria a produtividade) e sobre a renda (o que reduziria a desigualdade).

A reforma tributária sobre o consumo vai em linha com as Propostas de Emenda à Constituição 45 e 110, já em discussão no Congresso (mas que não avançaram no último ano). A base é a substituição de cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) pelo imposto sobre valor adicionado (IVA).

A leitura é de que o Brasil tributa excessivamente o consumo. “Espera-se que a reforma dos tributos sobre o consumo tenha impacto relevante na ampliação do potencial de crescimento do país, além de contribuir para a redução de desigualdades sociais e regionais”, diz o texto.

Na outra ponta, o documento defende reorganização da tributação com foco na renda. É proposto, de um lado, isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 2.500 (e reajuste anual da tabela do IRPF pela inflação), corte no Imposto de Renda das empresas e redução de encargos na folha. Para arcar com os mais de R$ 240 bilhões em receita perdidos com essas medidas, o texto defende imposto sobre lucros e dividendos na pessoa física, incluindo os remetidos ao exterior, além de redução de alguns benefícios fiscais atuais.

As mudanças teriam como horizonte uma “política neutra”: pelos cálculos apresentados, a estimativa é perder receita de um lado, mas ganhar o mesmo valor do outro.

Tudo somado, os autores reconhecem que muitas das propostas são interessantes no papel, mas complexas na realidade da política — em uma sociedade dividida como nunca. O importante por ora, dizem os pesquisadores, é abrir o debate.

 

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