Nova York e Brasília – Incertezas permanecem sobre o futuro das relações entre os Estados Unidos e o Brasil, mesmo após demonstrações de cordialidade de Donald Trump a Luiz Inácio Lula da Silva durante a 80ª Assembleia Geral da ONU, realizada na terça-feira (23/9).
Trump na ONU
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fez seu discurso na 80ª Assembleia Geral da ONU logo após Lula.
Durante a fala, Trump anunciou que concordou em se encontrar com Lula na próxima semana.
O líder norte-americano também indicou uma boa relação com o presidente brasileiro, destacando que os dois possuem uma “excelente química”.
Contudo, apesar da demonstração de afeto, Trump voltou a criticar o Brasil, justificando a tarifa de 50% imposta sobre produtos brasileiros como uma resposta à “censura”, “perseguição política” e “repressão”.
No discurso, que durou quase uma hora na ONU em Nova York, Trump dedicou parte do tempo para comentar a relação entre os dois países e mencionar o presidente Lula.
Trump revelou ter tido uma breve conversa de 30 segundos com o presidente do Brasil nos bastidores do evento e destacou a boa sintonia entre ambos.
“Encontrei o líder do Brasil, conversamos por 30 segundos. Concordamos em nos reunir na próxima semana. Ele parece uma pessoa agradável. Eu gosto dele, ele gosta de mim. Tivemos uma excelente química. Isso é um bom sinal.”
Mesmo com sua conhecida imprevisibilidade, analistas avaliam positivamente a mensagem de Trump a Lula em sua fala na ONU.
Segundo o especialista em política internacional Vito Villar, a estratégia de Trump é criticar inicialmente e logo em seguida fazer um gesto amigável para fortalecer sua posição nas negociações, e que neste caso ele abriu um canal de diálogo.
Apesar disso, as críticas não foram deixadas de lado, especialmente em relação à tarifa de 50% contra produtos do Brasil. Trump afirmou que essa medida visa defender os interesses dos Estados Unidos, especialmente contra países que, na visão dele, se aproveitaram por anos da nação norte-americana.
Sobre o Brasil, o presidente americano reiterou que a tarifa tem fundo político, citando “censura, repressão, corrupção e perseguição política”, sem mencionar diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro.
O professor de Direito Internacional da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) aconselha prudência em relação ao futuro das relações entre Washington e Brasília, e quanto às possíveis negociações futuras.
Ele acredita que Trump não deve flexibilizar sua postura, e que os ataques à soberania, democracia e instituições brasileiras, assim como o interesse dos Estados Unidos em recursos estratégicos do Brasil, continuarão presentes.
Governo Lula celebra, mas com cautela
Como a audiência da Assembleia Geral da ONU, a administração do presidente Lula foi surpreendida pelas declarações de Trump. Os gestos amistosos vieram mesmo após as críticas feitas anteriormente.
Inicialmente, o governo brasileiro confirmou o contato entre os dois líderes nos bastidores da ONU, caracterizado como uma “interação amistosa” com planos para reunião na semana seguinte.
O cuidado adotado se deve ao contexto do discurso, que ocorreu um dia depois do governo norte-americano ampliar sanções contra autoridades brasileiras, durante a estada de Lula em Nova York.
Fontes do governo afirmam que as declarações foram uma “surpresa positiva”. No entanto, o Itamaraty seguirá todos os procedimentos para organizar o encontro, para evitar situações diplomáticas embaraçosas, semelhantes ao incidente com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, no início do ano.
Possível reunião
Embora o encontro entre Trump e Lula tenha sido breve, Trump afirmou que combinaram uma reunião para a próxima semana.
Contudo, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, disse que o contato provavelmente será por telefone, por causa da agenda apertada do presidente Lula. Nenhuma data ou horário foram confirmados oficialmente até o momento.
A porta-voz da Casa Branca, Amanda Roberson, declarou que Trump está aberto a negociar a tarifa de 50% com o Brasil.
Porém, ela não confirmou se a negociação descartaria os aspectos políticos, pois no momento da imposição da taxa, Trump mencionou o julgamento do ex-presidente Bolsonaro como justificativa, numa tentativa de influenciar judicialmente o Brasil.
O governo brasileiro considera essa interferência uma afronta inaceitável à sua soberania e política interna. Durante a abertura da Assembleia Geral da ONU, Lula reafirmou que sua nação não aceitará concessões em relação à democracia e autonomia nacional, que são princípios fundamentais e não estão à venda.