EDUARDO CUCOLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Um ponto da reforma do Imposto de Renda está gerando dúvidas entre especialistas em tributos. Trata-se da regra que isenta do imposto mínimo os lucros e dividendos que forem gerados até o final de 2025.
Segundo o projeto que foi aprovado na Câmara esta semana, os lucros obtidos até este ano estão livres da cobrança, se a distribuição for aprovada até 31 de dezembro e paga até 2028, seguindo as normas do ato de aprovação.
Lívia Germano, tributarista e sócia do Barros Pimentel, explica que o problema é que só será possível saber o lucro real ao final de 2025, após o balanço da empresa estar fechado, o que vai tornar o processo muito apertado, já que a distribuição terá de ser aprovada até o último dia do ano.
Ela também destaca que o ato de aprovação precisa ser específico. Se for genérico, a Receita Federal pode entender que a distribuição não está de acordo com a lei.
Silvia Hachiya, sócia especialista em direito societário do mesmo escritório, alerta que as empresas devem ter cuidado com os possíveis conflitos entre as novas regras do Imposto de Renda e a legislação societária.
A Lei das Sociedades Anônimas determina que o pagamento dos dividendos deve acontecer no mesmo exercício em que foi aprovado. Isso pode causar dificuldades para cumprir a nova regra do IR.
Além disso, é importante verificar se o estatuto social da empresa permite a elaboração de balancetes mensais, para viabilizar essa aprovação em 2025. Caso contrário, será necessário alterar o estatuto para isso.
É fundamental que o balanço final demonstre que os dividendos pagos antecipadamente estão fundamentados nos resultados financeiros. Se o lucro final for menor, o valor pago terá que ser devolvido, e os administradores serão responsáveis por essa devolução.
Hachiya acrescenta que, para empresas limitadas, o contrato social deve prever a distribuição antecipada de dividendos e o prazo para pagamento.
Também existe dúvida sobre se a empresa precisa recolher imposto na fonte em 2026 sobre dividendos de anos anteriores que estejam isentos. Por isso, muitas empresas podem buscar decisões judiciais para evitar esse recolhimento.
Henrique de Palma, sócio da área tributária do Cescon Barrieu, destaca que a regra para investidores estrangeiros não é muito clara, pois a legislação não menciona a isenção para não residentes.
Segundo ele, a mesma regra deveria valer, mas há o risco de interpretação que despenalize investidores estrangeiros. “O texto não é claro, mas há razões para não tributar esses dividendos, tanto pela redação quanto pelo princípio da não discriminação.”
Heranças
Hermano Barbosa, sócio de Direito Tributário do BMA Advogados, aponta que algumas doações podem estar sujeitas à tributação mínima de até 10%, o que pode causar dupla cobrança pelo imposto de renda federal e pelo ITCMD estadual.
A proposta isenta do imposto as doações que antecipam a herança legítima, ou seja, a parte do patrimônio que obrigatoriamente deve ser destinada aos herdeiros, como filhos.
Mas as doações dentro da família que ultrapassarem os limites mínimos de lei estariam sujeitas ao imposto adicional, inclusive a “parte disponível” do patrimônio, que pode ser dividida conforme a vontade do doador.
Barbosa afirma que essa parte do projeto é inconstitucional porque invade a competência dos estados para tributar doações, passando a tributar também a parcela disponível pela via do imposto de renda.
Ele destaca ainda que a tributação dos dividendos pagos a estrangeiros impacta negativamente, pois esses investidores podem não conseguir compensar o imposto pago no Brasil com créditos ao exterior.
“Espero que esses dois pontos recebam a atenção necessária quando o projeto for discutido no Senado, próximo passo da tramitação.”
Justiça Fiscal
Marco Antônio Ruzene, sócio do Ruzene Sociedade de Advogados, avalia que o projeto representa avanço, pois beneficia muitos contribuintes, especialmente mantendo a isenção para lucros e dividendos até R$ 50 mil mensais.
Ele acredita que o tema dos dividendos deveria ser tratado de maneira mais ampla, como na reforma tributária geral.
“O ideal seria propor uma emenda constitucional para realizar uma reforma profunda e duradoura.” Para ele, só essa mudança estrutural poderá garantir justiça fiscal e sustentabilidade do sistema tributário no Brasil.