FERNANDA BRIGATTI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
A proposta de emenda à Constituição (PEC) nº 66, que altera a forma de pagamento das dívidas judiciais conhecidas como precatórios de estados e municípios, pode causar atrasos no recebimento desses valores e modificar o ritmo dos pagamentos, prejudicando os credores.
Embora o foco das discussões no Congresso tenha sido a inclusão de precatórios da União na meta fiscal, a grande preocupação dos advogados está na regra aplicada aos estados e municípios, que pode comprometer o prazo para quitação dessas dívidas até 2029.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) planeja acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar suspender a emenda, argumentando que ela viola a Constituição ao retirar o prazo para pagamento e alterar a correção das dívidas, que hoje é pela taxa Selic de 15% ao ano e passaria a ser pelo IPCA mais 2% a partir de agosto.
Em 2021, a maioria dos estados adotou um regime especial para pagamento de precatórios, que os obriga a reservar parte de sua receita corrente líquida para quitar a dívida até 2029. Entre as prefeituras, 20% aderiram a essa regra. A receita corrente líquida é o dinheiro disponível após descontos obrigatórios.
Thiago Diaz, presidente da Comissão Especial de Precatórios da OAB, descreve a proposta como uma extensão do calote, que aumenta a insegurança jurídica e retira a definição clara de prazos para pagamento.
Originalmente, a PEC trata apenas das dívidas dos municípios, incluindo regras para negociar dívidas previdenciárias, mas seu alcance foi ampliado durante a tramitação, contando com apoio de entidades como a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) e a Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Aprovada, a emenda impactará fundos que adquirem precatórios e cidadãos que entram com processos contra entes públicos, como estados, municípios, fundações e universidades públicas.
Luiz Fernando Casagrande Pereira, presidente da OAB no Paraná, compara a espera pelo pagamento das dívidas a uma homenagem póstuma, já que muitos beneficiários morrem antes de receber.
Essa demora estimula o mercado secundário de precatórios, no qual os credores vendem seus direitos por valores reduzidos, cerca de 40% abaixo do valor devido.
Álvaro Arantes, advogado do escritório Dias Carneiro, ressalta que o principal problema para compradores de precatórios é o tempo que levam para receber o pagamento, que pode variar de cinco a vinte anos.
O Tribunal de Justiça do Paraná está pagando precatórios emitidos em 2009, mesma data das dívidas da Prefeitura de São Paulo. Na capital paulista, existe uma fila preferencial para idosos, pessoas com deficiência ou doenças graves, que está com pagamentos em dia.
Levantamento da OAB do Paraná indica que a maioria dos estados acabaria com o estoque de precatórios em 2029 se mantivesse o ritmo atual, enquanto entre os municípios 14% não conseguiriam e precisariam destinar mais de 5% de sua receita para os pagamentos.
A Prefeitura de São Paulo, por ter um orçamento muito alto mas também ser classificada como superendividada, consegue manter a destinação de 5% da receita para pagar os precatórios até este ano, mas com a nova regra os pagamentos podem cair pela metade, agravando o atraso.
Vitor Boari, da Comissão de Precatórios da OAB em São Paulo, aponta que o novo ritmo desconsidera o surgimento de novas dívidas, tornando impossível prever quando os credores receberão os valores.
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que pertence ao mesmo partido do relator da PEC, não quis comentar diretamente a proposta, mas afirmou que pagar precatórios compromete a oferta de serviços públicos essenciais como saúde e educação, e que a regra nova busca equilibrar as contas públicas.
Para o advogado Messias Falleiros, do escritório Sandoval Filho, teria sido mais prudente criar regras específicas apenas para os entes que realmente não conseguem cumprir os pagamentos.
A CNM estima que a PEC poderá liberar R$ 700 bilhões dos orçamentos municipais, melhorando a sustentabilidade fiscal dessas administrações.
Lucas Zantatta, prefeito de Araçatuba (PL), destaca que a mudança reduzirá pela metade o orçamento reservado para precatórios, liberando recursos para outras despesas, mas lamenta a falta de autonomia dos municípios para gerenciar esse percentual.
Nos estados, a Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul acredita que a alteração reduzirá o crescimento da dívida entre R$ 700 milhões a R$ 1,5 bilhão e limitará o percentual da receita destinado ao pagamento a 2%.
A PEC traz ainda outras mudanças que, segundo advogados, podem prolongar a espera dos credores e permitem que entidades em dia com os pagamentos acumulem dívidas.
A emenda fixa um intervalo percentual entre 1,5% e 5% da receita corrente líquida para o pagamento de precatórios, com revisão prevista somente para 2036, o que pode desacelerar pagamentos para quem atualmente destina valores maiores, facilitando acúmulo de dívida.
A data limite para que um precatório seja incluído no orçamento federal também foi antecipada de 2 de abril para 1º de fevereiro, afetando dívidas judiciais federais, estaduais e municipais.
Assim, só entrarão no orçamento de 2027 precatórios emitidos até 1º de fevereiro de 2026; aqueles emitidos entre 2 de fevereiro de 2026 e 31 de janeiro de 2027 só serão incluídos no orçamento de 2028.
Principais mudanças para precatórios de estados e municípios
- Desvinculação da receita corrente líquida para pagamento, que até então era calculada para quitar o estoque até 2029;
- Percentual fixo entre 1% e 5% da receita baseado no estoque de precatórios em 31 de dezembro;
- Correção dos valores pelo IPCA mais 2% ou pela taxa Selic, o que for menor;
- Percentual será revisado apenas em 2036.
Alterações nos pagamentos de precatórios da União
- Despesas com precatórios sairão do teto de gastos a partir de 2026;
- De 2027 em diante, valores entram progressivamente na meta fiscal anual;
- Correção monetária será pelo IPCA mais 2% ou Selic, o que for menor.
Mudanças na Previdência Social
- Dívidas com o Regime Geral da Previdência poderão ser parceladas em até 25 anos;
- Correção será pelo IPCA mais juros reais entre 0% e 4%;
- Parcela mensal limitada a 1% da receita corrente líquida média;
- Redução de 40% em juros e encargos e 25% em honorários advocatícios.
Outras modificações importantes
- Receitas dos regimes próprios de previdência não serão consideradas na base de cálculo para PIS e Pasep;
- De 2025 a 2030, até 25% do superávit de fundos públicos da União poderão ser direcionados a projetos estratégicos e enfrentamento da mudança climática, beneficiando principalmente o BNDES.