Os neonazistas brasileiros, como atesta a investigação, apresentam suas páginas e publicações nas redes sociais sem nenhum pudor. Seu objetivo é recrutar seguidores e promover uma fagulha em um palheiro. Se uma página é derrubada, em seguida aparecem outras.
As publicações apresentam discursos de Hitler, memes antissemitas, ataques à Rússia e ao presidente Vladimir Putin, ódio aos comunistas e, claro, teorias da conspiração.
Distorções de fatos e conceitos são frequentes. O termo “liberdade”, por exemplo, ora é reduzido a “liberdade de mercado”, supostamente ameaçada pelas políticas públicas de um Estado visto como controlador, ora é defendido como um suposto direito a qualquer tipo de manifestação, inclusive de incentivo ao ódio.
Ao mesmo tempo essa “liberdade” é colocada em oposição a “igualdade”, que, enquanto um ideal de esquerda, revelaria uma ameaça. E, para recuperar uma suposta identidade nacional degradada ao longo das décadas, alguns clamam por ditaduras e rupturas imediatas com a ordem institucional.
Nazistas no Brasil: o que explica?
Enquanto as plataformas de tecnologia servem como um catalisador de novas lideranças neonazistas e extremistas, as sociedades enfrentam o desafio de tentar conter o avanço dos discursos de ódio nas redes.
Para Mayra Goulart, cientista política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o combate ao nazismo moderno passa pela compreensão de que “o principal choque das sociedades ocidentais do século XXI ocorrerá entre a democracia liberal e o capitalismo neoliberal”.
Ela explica que “há um antagonismo entre democracia, capitalismo e liberalismo que foi exposto com o processo de digitalização das relações humanas e de trabalho”.
Ao tratar das relações sociais, a analista entende que as mídias sociais criaram um terreno para exclusão dos mecanismos que antes impediam que certos pensamentos, como o nazismo, fossem declarados publicamente.
As mudanças impostas pelo capitalismo neoliberal deixaram em sua esteira uma multidão de desempregados e de pessoas sem muitas perspectivas. De acordo com a especialista, são esses os perdedores do processo de globalização, que seriam mais visados por defensores de ideias extremistas.
Isso pode explicar a crescente “posição anti-humanista que anda de mãos dadas com um desprezo geral pela democracia”, disse ela.
O processo de automação do mercado de trabalho, que chegou ao século XXI com a digitalização de muitas formas de emprego, atesta “uma sociedade em que o trabalho se tornou mais individual do que coletivo”, tornando “as pessoas e o trabalhador mais vulneráveis“.
E é nessa conjuntura que ganharia força o discurso de que há um “passado que precisa ser retomado” e de que “tudo que é progressista, no sentido de novo, representa uma ameaça“.
Ainda segundo Goulart, a extrema-direita cresce, entre muitas razões, em um contexto neoliberal de exclusão, social e econômica, de milhares de pessoas.
O que não tem sido feito?
Ao reunir e organizar os extremos, são as redes sociais que permitem, como aponta o advogado Rodrigo Mondego, que um adolescente “ganhe simpatizantes em todo o país por ser um supremacista branco, por exemplo”.
Desse modo, a indústria das mídias digitais, em grande parte não regulamentada, dominou a forma como bilhões de pessoas consomem informações.
No entendimento de Mayra Goulart, “gigantes da tecnologia se tornaram aproveitadoras” das recentes crises políticas que atingem as democracias e têm responsabilidade pelo crescimento de grupos extremistas. Ainda assim, conforme explicou Rodrigo Mondego, “o Ministério Público e a Polícia Federal não agem com rigor para enfrentar os criminosos”.
“A Internet agiu de forma a encurtar espaços e aumentar as relações interpessoais. Um adolescente, por exemplo, ganha simpatizantes em todo o país por fazer comentários racistas em células extremistas. Elas são organizadas livremente e muitas vezes se escondem em grupos de supremacistas brancos, para disfarçar o nazismo declarado”, disse ele.
O advogado lembrou que o risco do crescimento de células nazistas no Brasil já ficou explícito em diferentes ataques pelo país, como no atentado em uma escola em Suzano, no interior de São Paulo, em 2019 e nos ataques em escolas no Espírito Santo no ano passado, quando um adolescente matou quatro pessoas.