JORGE ABREU
ABAETETUBA, PA (FOLHAPRESS)
O agricultor Domingo da Silva, 59 anos, sente diretamente os efeitos das mudanças climáticas. O calor intenso em Abaetetuba (PA) impacta não só sua saúde, mas também a produção de frutas típicas da Amazônia, como açaí, cupuaçu e cacau. As secas frequentes prejudicam o solo e causam falta de água na região.
“A seca tem piorado a cada ano”, comenta. “Meu açaí, plantado há quase três anos, demorará cerca de quatro anos para produzir frutos, pois as chuvas estão insuficientes.” Além do açaí, sua família cultiva hortaliças e cria abelhas para produção de mel, que também sofrem com as altas temperaturas.
Essa realidade reflete resultados de uma pesquisa inédita divulgada em 25 de abril por um grupo coordenado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). O estudo mostra que as mudanças climáticas reduziram em 56,3% as produções agroecológicas e causaram uma perda de 48,1% na disponibilidade de alimentos. Domingo da Silva não participou diretamente do estudo.
Entre abril e junho deste ano, o mapeamento “Agroecologia, Território e Justiça Climática” ouviu 503 experiências de 28 grupos diferentes, abrangendo 307 municípios e envolvendo mais de 20 mil pessoas, entre agricultores familiares, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, educadores e estudantes.
Para 66% dos participantes, os impactos climáticos se intensificaram nos últimos dez anos. Destes, 73,4% notaram o aumento das temperaturas, e 70,8% observaram mudanças no calendário das chuvas.
Entre as consequências principais estão o desaparecimento de espécies e variedades nativas de plantas (36,2%) e de animais (30,4%), além da perda de variedades agrícolas (19,7%). O estudo também aponta um aumento de 12,3% nas doenças entre os animais criados.
Na saúde humana, 34,4% relataram aumento de doenças relacionadas ao clima, como problemas cardíacos, baixa imunidade e transtornos mentais. A qualidade do ar piorou para 42,9%, especialmente em grandes centros urbanos e zonas de mineração.
Segundo o levantamento, 64,8% das iniciativas conseguiram identificar os principais agentes que intensificam as mudanças climáticas nos territórios, com o agronegócio mencionado por 43,9% delas.
Helena Lopes, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e uma das coordenadoras do estudo, destaca que o objetivo foi encontrar soluções baseadas na agroecologia para enfrentar as alterações climáticas, diferentes das propostas dos grandes sistemas corporativos do ramo alimentar e energético.
“Queríamos entender o que as mudanças climáticas representam segundo a perspectiva da agroecologia, mapeando iniciativas que buscam superar a crise por meio de adaptação, mitigação e promoção da justiça climática”, explica.
“Mais da metade das experiências observou redução na disponibilidade de água. Problemas hídricos não ocorrem só em áreas secas como o semiárido, mas também em regiões como o Pampa e comunidades quilombolas, reforçando a necessidade de tecnologias sociais para captar água da chuva”, acrescenta.
Helena Lopes ressalta que a Amazônia e o Nordeste são regiões onde o aumento da temperatura foi o principal impacto registrado. Ela destaca que o mapeamento pode embasar políticas públicas para apoiar produtores vulneráveis diante da crise climática.
“Das 503 experiências analisadas, somente 187 têm acesso a políticas públicas. O estudo evidencia a importância do apoio governamental qualificado para fortalecer áreas que já desenvolvem soluções para um problema global”, conclui.
O repórter viajou a convite da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD).