MARIANNA HOLANDA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
A recente rejeição dos decretos do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) pelo Congresso marcou um episódio histórico nas relações entre o Executivo e o Legislativo. A última vez que o Congresso anulou um decreto presidencial foi em 1992, durante o governo de Fernando Collor.
Naquele ano, em janeiro, Collor editou um decreto que alterava a forma de pagamento dos precatórios, títulos de dívidas judiciais. A oposição reagiu rapidamente, afirmando que a medida prejudicaria os aposentados.
Após votação no Senado, a proposta foi rejeitada em 26 de março—exatamente seis meses antes da Câmara iniciar o processo de impeachment contra o então presidente. Naquela época, Collor enfrentava forte pressão da oposição, embora tenha conseguido algum fôlego após a crise do confisco.
O presidente chegou a declarar, em entrevista a veículos estrangeiros, ser um “otimista realista” sobre seu governo, lamentando o envolvimento de seus ministros em casos de corrupção.
A retirada da medida pelo Congresso refletiu a rejeição popular, especialmente porque poderia afetar negativamente os direitos dos aposentados. Pouco tempo depois, seu irmão Pedro Collor de Mello denunciou um esquema de corrupção envolvendo PC Farias e o presidente, desencadeando a queda do governo.
O pedido formal de impeachment foi aprovado por 441 deputados em 29 de setembro daquele ano.
Tanto o projeto que anulou o decreto do Collor quanto o que derrubou o decreto do atual governo foram aprovados simbòlicamente no Senado, sem contagem formal de votos.
No caso do governo atual, a rejeição ocorreu devido à proposta de aumento do IOF, que surpreendeu o Planalto ao ser rejeitada em ambas as casas na mesma noite. O governo justificou o aumento como necessário para justiça fiscal e aumento da arrecadação diante da crise econômica.
Em 1992, a votação do projeto foi rápida, contando inclusive com votos de parte da base governista. Em apenas 15 dias, a Câmara analisou o texto, que ao chegar no Senado teve urgência aprovada e foi votado no mesmo dia.
A pressa na votação gerou críticas, pois o mérito da proposta altamente impopular contra os aposentados foi debatido rapidamente. O então líder do governo no Senado, Marco Maciel (PFL-PE), liberou os parlamentares para votarem conforme sua consciência.
Humberto Lucena (PMDB-PB) ressaltou que havia um “clamor nacional” em defesa da causa dos aposentados e pensionistas, e que o Congresso deveria se posicionar claramente ao lado deles.
O projeto de decreto legislativo de 1992 foi de autoria do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ). Ele relatou que, na época, acompanhava diariamente o Diário Oficial em busca de oportunidades para contestar atos do governo Collor.
Miro Teixeira recorda que o clima era marcado por confrontação, e que a vitória só foi possível graças ao apoio de parlamentares da base. Ele destaca que os cenários políticos atual e daquele período são distintos: Collor era conhecido por sua rigidez e enfrentamentos diretos, enquanto o governo atual, segundo ele, busca soluções por meio do diálogo e articulação política, que cabe ao presidente da República liderar.
Collor assumiu a presidência em março de 1990. Após dois anos e nove meses, ele foi afastado e substituído pelo vice-presidente Itamar Franco (PMDB), que permaneceu no cargo até o fim do mandato em 1994.
Acusado de corrupção, Collor não resistiu ao impeachment, mas especialistas apontam que os problemas econômicos foram decisivos para sua saída.
Atualmente, Collor cumpre prisão domiciliar por questões de saúde. Aos 75 anos, foi condenado em 2023 por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, com pena de oito anos e dez meses de reclusão.
A denúncia, apresentada pela Procuradoria-Geral da República em agosto de 2015 no contexto da Operação Lava Jato, acusou o ex-presidente de receber propina em esquema envolvendo a BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras.
A defesa argumentou perante o Supremo Tribunal Federal que as acusações são baseadas exclusivamente em delações premiadas.