A ministra Simone Tebet afirmou que mudança nas metas de inflação “não está posta na mesa”. Para parte dos economistas, o mero debate levou as expectativas de médio prazo para 4%
O debate sobre eventual mudança nas metas de inflação, que aqueceu as discussões no começo do ano, parece ter saído de vez da pauta do governo. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, cravou nesta segunda-feira, 27, que o tema é hoje um “não assunto” entre ela e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
“Em relação à meta de inflação, aos parâmetros, se vamos mexer ou não, este é um não assunto no governo. Pelo menos um não assunto no Ministério da Fazenda e no Ministério do Planejamento e Orçamento”, disse Tebet, ao participar pela manhã de evento da consultoria de risco político Arko Advice.
“E não é um não assunto apenas porque eu não posso dizer isso. É um não assunto porque eu e o ministro Haddad entendemos que esta é uma questão que não está posta na mesa”, disse a ministra.
Um debate aberto sobre a meta de inflação (hoje em 3,25% para 2023 e 3% para 2024) chegou a ser defendido por nomes de peso do mercado financeiro, devido às expectativas de inflação mais alta em países desenvolvidos, como EUA e europeus. Nesse cenário, seria visto como improvável que o Brasil conseguisse manter uma meta baixa, o que obrigaria, portanto, uma taxa de juro potencialmente maior do que a necessária.
O problema, porém, é que o mero fato de o debate ganhar corpo pode ter levado as expectativas de inflação no médio prazo para em torno de 4%, patamar acima do anterior. Parte dos economistas defende que isso ocorreu exatamente pela possibilidade de uma mudança nas metas, isto é, fazendo os agentes precificarem inflação maior tolerada no futuro, posto que a meta subiria.
Há dúvida sobre resultado ao alterar metas, diz Tebet
A fala de Tebet nesta segunda-feira indica que essa preocupação está de fato no radar do governo e pode ter sido a justificativa principal para que Fazenda e Planejamento deixassem o assunto fora “da mesa” desde então.
“Nós não estamos discutindo. Nós temos inclusive dúvida se mexer na meta vai gerar o resultado que nós queremos, que é diminuir a taxa de juro, diminuir a inflação para que possamos diminuir a taxa de juro”, disse Tebet.
A ministra reconheceu que “houve uma discussão inicial” sobre o assunto, mas disse que, na ocasião, a conversa com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, foi “sobre n possibilidades”. A definição sobre metas de inflação ocorre no âmbito do Conselho Monetário Nacional (CMN), do qual participam Fazenda, Planejamento e o BC.
“Isso foi colocado na mesa na primeira reunião que nós tivemos, e depois dela nós tivemos ao menos mais duas, e nós não tratamos da questão da meta de inflação”, disse.
A preocupação dos ministros em fazer os agentes esquecerem a pauta tem razão de ser. O tema das expectativas piores no médio prazo foi citado pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) como uma das principais justificativas para não só manter a taxa Selic em 13,75% na reunião de março, mas cogitar seguir com esse patamar por mais tempo ou até mesmo aumentar o aperto monetário se necessário.
“O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas, que mostrou deterioração adicional, especialmente em prazos mais longos”, disse o Copom no comunicado da semana passada, enfatizando que “não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado.”
Comunicado do Copom saiu no “tom errado”
Apesar de reconhecer que o debate das metas de inflação poderia “não gerar o resultado” esperado, Tebet afirmou que o comunicado do Copom, em sua opinião, “saiu no tom errado”.
A ministra lembrou que “votou a favor” da autonomia do Banco Central e que o Planejamento não tem competência para falar sobre definição da taxa em si. “Não é de percentual, 0,25 a menos, 0,5 menos, ou quando isso vai acontecer que eu discuto. Essa é uma decisão, a meu ver, técnica, do Copom, e nós temos de respeitar”, disse
“Agora, embora a decisão seja técnica, eu entendo que o comunicado e a ata são documentos políticos. Então, as palavras têm poder e nós temos de tomar muito cuidado com elas”, disse a ministra.
Tebet também afirmou, ao falar sobre o tema da taxa de juro, que seu papel em um governo “como o do PT” é ser “ponto de equilíbrio entre as duas narrativas que estão sendo colocadas”. Ao mesmo tempo, completou afirmando que o comunicado, em sua opinião, não reconheceu uma “evolução” nos fatores internos, como o adiantamento da apresentação do arcabouço fiscal — cujo prazo era até agosto, mas pode ser entregue ao Congresso já no fim deste mês ou no começo de abril.
“É óbvio que fatores externos importam, preocupam e devem ser colocados na conta quando há a decisão técnica. Mas também os fatores internos, e nesse aspecto acho que houve uma evolução. Todos nós sabemos que estamos prontos pra anunciar o arcabouço fiscal, que há uma chance muito grande de ser aprovado, não é algo que vai ter grande dificuldade, a reforma tributária nunca esteve tão amadurecida para ser votada”, disse Tebet.
Ao falar sobre o arcabouço, Tebet disse também que o texto deve “agradar a todos”, citando os defensores de maior responsabilidade fiscal e, do outro lado, vozes mais “expansionistas” no governo. “Estou confiante que vai ser aprovado no Congresso”, disse.