Ana Gabriela Oliveira Lima e Arthur Guimarães de Oliveira
São Paulo, SP (FolhaPress)
A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), de impedir a gravação das acareações no processo da trama golpista contrariou a legislação vigente que assegura esse direito e rompeu com a prática de transparência observada em fases anteriores do processo.
Especialistas consultados pela Folha de S.Paulo consideram que a medida pode ser inadequada ou até mesmo ilegal e inconstitucional. Alguns apontam que a decisão quebra o princípio da publicidade e prejudica as defesas, enquanto outros entendem que, apesar de genérica e sem fundamentação clara, a decisão pode ser justificada.
Na terça-feira (24), o STF realizou duas acareações no processo da tentativa de golpe – encontro em que as partes confrontam versões divergentes. Na primeira, o delator e tenente-coronel Mauro Cid ficou frente a frente com o general Walter Braga Netto por cerca de uma hora e meia para discutir a alegação de repasse de dinheiro para atentados contra autoridades, contestada pelo general.
A segunda acareação ocorreu entre o réu Anderson Torres e o ex-chefe do Exército e testemunha no processo, Marco Antônio Freire Gomes.
A defesa do general Braga Netto solicitou a gravação audiovisual da audiência, mas o pedido foi negado por Moraes, que autorizou apenas uma transcrição escrita da acareação, alegando a necessidade de evitar pressões indevidas e vazamentos que comprometessem a investigação.
O advogado de Braga Netto anunciou que abrirá uma representação na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) contestando a decisão, que foi considerada arbitrária, autoritária, ilegal e inconstitucional por alguns especialistas, entre eles o advogado criminalista e professor Ricardo Martins.
Martins argumenta que a decisão viola prerrogativas dos advogados previstas no estatuto da OAB, o que pode prejudicar a defesa no processo. Ele também critica a justificativa do ministro sobre possíveis pressões indevidas e destaca que o princípio da publicidade dos atos processuais está previsto na Constituição, sendo restrito apenas em situações específicas.
Outro criminalista, Mário de Oliveira Filho, explica que o Código de Processo Civil permite gravações pelas partes sem necessidade de autorização judicial, e essa regra é aplicada por analogia ao processo penal. A proibição da gravação, segundo ele, carece de fundamento legal e representa uma violação de direitos.
Especialistas e advogados apontam que a medida adotada por @Moraes tem semelhanças com outras decisões controversas do STF que restringiram o uso de celulares em casos relacionados à trama golpista.
A professora Flávia Rahal, da FGV Direito SP, ressalta que a mudança de procedimento causou surpresa, uma vez que gravações foram permitidas em fases anteriores.
Maira Scavuzzi, advogada e professora de direito constitucional na PUC-SP, destaca a incoerência entre o modo como foram conduzidos os depoimentos e a forma da acareação, ressaltando que a preferência legal é pelo registro audiovisual por garantir maior fidelidade.
Scavuzzi observa que a justificativa apresentada por Moraes é vaga e a decisão tem indícios de irregularidade, mas reconhece a falta de elementos suficientes para classificá-la como ilegal.
Ela defende que, para evitar controvérsias em um processo sensível que envolve temas graves, a fundamentação para tal medida deveria ser clara e detalhada.