“Na minha ida à Rússia, acertei com fertilizantes para agronegócio, e agora também está quase certo um acordo para comprarmos diesel bem mais barato da Rússia, onde a Petrobras e alguns já compravam mais caro”, afirmou o chefe do Executivo. “Está acertado, e em 60 dias já pode começar a chegar [diesel] aqui. Já existe essa possibilidade. A Rússia continua fazendo negócio com o mundo todo, e parece que as sanções econômicas não deram certo”, declarou.
Logo após a fala, no entanto, alguns segmentos do mercado de energia que atuam no Brasil demonstraram certo incômodo com um eventual acordo e apontaram supostos entraves para a transação. Isso porque a Rússia está bloqueada do principal meio de pagamento do Ocidente: o sistema suíço SWIFT (sigla em inglês para Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais).
Ao jornal Valor Econômico, o presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sérgio Araújo, declarou que a compra seria “inviável” por esse motivo e que demandaria um acordo diplomático com os Estados Unidos, uma vez que, segundo ele, “bancos têm operações que envolvem a economia americana”.
Pedro Rodrigues, sócio da consultoria Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), disse em quadro conjunto com o site Poder360 que “um dos grandes empecilhos é o isolamento do sistema bancário russo”.
Contudo a SWIFT não é uma solução única e universal para esse tipo de transação. Para Bruno Beaklini, cientista político e professor de relações internacionais, o próprio sistema de pagamentos desenvolvido pela Rússia em 2014, chamado Sistema de Transferência de Mensagens Financeiras (SPFS, na sigla em russo), pode — e deve — ser usado para efetuar os pagamentos.
“O sistema russo de pagamentos (sobre o qual tenho artigos escritos) pode ser implementado, sim, sem nenhuma dúvida. Aumentaria o grau de segurança para o importador brasileiro se tivesse algum sistema de garantias. Vale observar o mercado brasileiro de importadores de diesel: embora sejam várias empresas pulverizadas, somente três empresas controlam 80% do mercado. Logo, esse oligopólio já é transnacionalizado e já está muito preocupado com as sanções dos Estados Unidos. Então não é só uma razão econômica: também é uma questão da política internacional e como essas empresas são leais. Vale observar quais são as maiores empresas brasileiras de diesel e quais são as empresas que compõem a Associação Brasileira de Importadores de Combustível”, apontou ele.
Mais: o cientista político defende que o Banco de Desenvolvimento do BRICS (que une Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) deve criar, urgentemente, seu próprio sistema de transações entre membros do grupo e países associados.
Denominado BRICS Pay, a alternativa é ventilada desde ao menos 2019, mas já encontrou certa resistência pela equipe do Ministério da Economia do Brasil, atualmente comandado por Paulo Guedes.
“O Banco de Desenvolvimento dos BRICS deveria urgentemente — urgentemente — criar ou estabelecer um sistema paralelo ao SWIFT e oferecer como alternativa às sanções dos Estados Unidos [contra a Rússia] e ao bloqueio do uso do SWIFT. E o banco dos BRICS deveria urgentemente criar um sistema de garantias para essas trocas. O banco dos BRICS tem governança, é uma instituição séria e multilateral. É possível também criar um consórcio mundial do banco dos BRICS, com outros países que não integram o grupo como associados. Os países devem assinar um protocolo de compromisso entre partes, sejam empresas privadas ou sejam governos. E todas as negociações dentro dos países-membros do banco do BRICS, ou de países consorciados, com um sistema de garantias próprias. Com isso, a tirania do SWIFT controlada pelos EUA não iria acabar, mas iria se enfraquecer muito”, declarou Beaklini.
Iniciativas na América Latina: Brasil vai sediar projeto milionário financiado pelo Banco do BRICS
Ele também aponta que o receio de empresários sobre eventuais retaliações em seus negócios deve ter resposta por parte dos países que sediam as companhias que, eventualmente, optem por fazer transações com países sob restrição ocidental.
“Quanto às sanções e as perseguições às empresas que negociam com países sancionados, acredito que a defesa legal dos países onde essas empresas estão sediadas devem agir. Por exemplo, o Brasil tem que defender qualquer empresa que decida operar o comércio internacional com países sancionados. Mas o poder de punição dos Estados Unidos ainda é bastante alto. Eles vão por vários níveis até atingir as empresas que fazem comércio com países sancionados. É possível driblar para realizar o negócio, mas é preciso convencer, política e ideologicamente, que há sistemas de ganhos e recompensas para empresas que operem com países sancionados”, conclui o cientista político.