ANDRÉ FLEURY MORAES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O medo da violência fez com que 72% dos brasileiros modificassem de alguma maneira sua rotina habitual, segundo recente pesquisa do Datafolha que avalia os efeitos da violência e da insegurança pública na população.
O estudo entrevistou presencialmente 2.002 pessoas com 16 anos ou mais em 113 cidades do país entre os dias 2 e 4 de dezembro. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, com 95% de confiança.
A mudança mais comum está relacionada ao uso do celular: 56% das pessoas disseram que passaram a evitar usar o aparelho nas ruas nos últimos 12 meses.
Esses cuidados também se estendem ao trânsito e ao ambiente doméstico.
Por exemplo, 36% dos entrevistados afirmaram ter alterado o caminho para o trabalho ou escola devido ao medo da violência.
Além disso, 31% começaram a tirar alianças, colares e outros acessórios ao sair de casa, e 27% deixaram de fazer atividades prazerosas por causa do receio.
De acordo com a advogada Cecília Mello, desembargadora aposentada do TRF-3 e especialista em direito penal, esses dados indicam que a insegurança está cada vez mais presente na vida das pessoas.
“Antes, havia uma falsa sensação de que a violência era controlada, a ideia de que ‘não vai acontecer comigo’, mas o problema cresceu e mostrou que ninguém está livre da violência”, explica.
O Datafolha também aponta que 26% dos brasileiros deixaram de sair de casa por medo da violência.
As mulheres são as mais impactadas: 76% delas mudaram algum hábito, enquanto entre os homens a porcentagem é de 68%.
Elas também são maioria entre os que evitam usar celular na rua (62% contra 49% dos homens) e entre os que deixaram de realizar atividades prazerosas (31% contra 22%).
Cecília Mello destaca essa diferença como uma séria questão social. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2025 registrou aumento nos casos de violência contra a mulher, incluindo feminicídios e tentativas, além de medidas protetivas.
Segundo a Folha, a porcentagem de pessoas que consideram a segurança o maior problema do país voltou a crescer, chegando a 16%, atrás apenas da saúde, que tem 20%.
Essa mudança de comportamento é mais forte nas regiões metropolitanas, onde 80% dos moradores relataram atitudes por medo da violência, contra 66% no interior das cidades.
A maior diferença está no uso do celular nas ruas: 68% dos moradores das metrópoles deixaram de usar, enquanto no interior a taxa é de 47%.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, os homicídios subiram 2,8% e furtos 4,6% nos primeiros dez meses de 2025, comparado ao mesmo período de 2024. Já o estado registrou queda em ambos os índices: homicídios caíram 2,6% e furtos 0,1%.
O medo da violência afeta todas as idades, sendo mais forte em pessoas com 60 anos ou mais (77%).
Tanto eleitores de Lula (70%) quanto de Bolsonaro (76%) afirmam sentir esse receio.
Para o sociólogo Cláudio Beato, coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), esses números refletem a qualidade de vida da população.
“Se você não se sente seguro para andar na rua, isso mostra que o ambiente é ruim”, afirma.
Ele explica que esse medo gera um efeito em cadeia nos âmbitos social e econômico.
“As pessoas passam a consumir mais em lugares fechados e protegidos”, diz. Depois, isso influencia o tipo de moradia escolhida.
“Temos condomínios fechados maiores que oferecem tudo dentro, o que faz com que as pessoas não convivam com diferentes classes sociais e criem preconceitos contra quem está fora dessas bolhas”, completa.
O receio, segundo Cláudio Beato, não é só das facções ou do crime organizado, embora eles influenciem a percepção popular da violência.
“Esse comportamento é moldado pelo que acontece diariamente nas ruas, como quando alguém vê um furto no semáforo”, finaliza.
