“A integração regional precisa ser entendida como política de Estado que se propõe a criar mecanismos para a articulação de interesses e compromissos entre os países”, afirma Robson Valdez, pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos (NEL) da Universidade de Brasília (Unb), à Sputnik Brasil.
Do outro lado do espectro político, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, tentará a reeleição, em outubro, para um mandato de mais quatro anos. Porém, até o momento, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embalado pelos novos ventos à esquerda, lidera as pesquisas de intenção de voto e pode voltar ao Planalto em janeiro de 2023.
O especialista, no entanto, aponta que, independentemente da linha política, o governo brasileiro deve sempre buscar a “integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina”, citando o parágrafo único do artigo 4º da Constituição Federal.
Valdez lembra que a União Europeia, mesmo com governos de diferentes ideologias, “toca seu processo de integração com o compromisso dos governos de ocasião”.
“Exemplos disso são os governos de direita na Polônia e Hungria. Assim, entendo que é preciso retomar o diálogo propositivo da integração regional [na América do Sul]”, avaliou.
Já Charles Pennaforte, professor da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), afirma que a cooperação é “um aspecto de grande importância em momentos de crise”. Segundo ele, o cenário será cada vez mais otimista, com uma nova coordenação de objetivos e metas.
Para o especialista, porém, a “afinidade de perspectivas” ajudará a América do Sul a buscar melhores soluções para os atuais problemas. O professor da Ufpel acredita que o novo ambiente pode favorecer o diálogo.
“Logicamente, não podemos ser ingênuos de achar que é um processo fácil, mas menos difícil do que com governos conservadores e beligerantes do ponto de vista político”, indicou Pennaforte à Sputnik Brasil.
Novo polo de poder liderado por China e Rússia pode ajudar continente
Leonardo Paz, analista de inteligência qualitativa no Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV NPII), recorda que a maior parte das iniciativas de integração na região se deram justamente no início dos anos 2000, quando diversos países tinham governos de esquerda, como Venezuela (Hugo Chávez), Argentina (Néstor Kirchner) e o próprio Brasil, com Lula.
Por isso, segundo o especialista, “a maré à esquerda tende a elevar as chances de os países se entenderem” para reorganizar a integração.
“Um conjunto de países mais à esquerda realmente avançou bastante na institucionalização da região”, afirmou à Sputnik Brasil, lembrando da fundação da agora extinta União de Nações Sul-Americanas (Unasul), em 2008, durante a presidência de Lula.
Paz acredita que, em um eventual novo governo Lula, “aumenta muito a probabilidade de a região assistir a outras iniciativas de integração em um futuro próximo”.
“O [Gustavo] Petro estendeu o braço e o [Nicolás] Maduro está disposto a conversar. É muito interessante, até porque, de fato, eles têm uma visão de mundo parecida. Provavelmente veremos uma situação na qual a Colômbia deixará de condenar tanto as atitudes da Venezuela como vínhamos vendo no passado”, disse Paz.
Segundo Valdez, pesquisador da Unb, a reorganização global, com o enfraquecimento dos Estados Unidos, poderá ajudar a impulsionar o novo período de unidade sul-americana.
“É preciso retomar o espírito integracionista, especialmente diante da consolidação do polo de poder liderado por China e Rússia, que emerge dos desdobramentos da crise russo-ucraniana”, afirmou.
Para ele, é dentro desse contexto que o Brasil poderá reassumir seu papel de liderança na América do Sul. O continente, segundo ele, precisará de política em conjunto para superar a crise econômica, com o aumento generalizado dos preços de alimentos e combustíveis.
“É preciso uma retomada da agenda de integração, via Unasul e Mercosul, propositalmente abandonada nos governos [Michel] Temer e Bolsonaro”, disse.