Em entrevista ao Canal 12 da televisão de Israel, o presidente francês, Emmanuel Macron, defendeu o reconhecimento do Estado palestino como uma estratégia para isolar o grupo islâmico Hamas e reativar a proposta de dois Estados vizinhos. Ao mesmo tempo, Macron criticou fortemente a ofensiva militar na Faixa de Gaza, que, segundo ele, prejudica a imagem internacional de Israel. A proposta francesa, que será oficializada na ONU, representa uma mudança diplomática com potenciais consequências reais na região.
Macron enfatizou que a legitimidade da causa palestina não pode ser confundida com os atos do grupo islâmico, e que a proposta de dois Estados está perto de se tornar inviável diante das ameaças de anexação da Cisjordânia.
Ele tentou visitar Israel antes da realização da Conferência Internacional de Alto Nível sobre a Solução Pacífica da Questão da Palestina e a Implementação da Solução de Dois Estados, marcada para a próxima segunda-feira (22/9), em Nova York, mas sua solicitação foi negada pelo governo israelense. Ainda assim, declarou que pretende continuar dialogando com o premiê Benjamin Netanyahu, apesar de considerar que o atual governo de extrema-direita está dificultando qualquer possibilidade de paz duradoura.
“Israel conseguiu avanços únicos em segurança, mas as operações em Gaza são contraproducentes e, devo dizer, um fracasso”, afirmou Macron.
O plano francês, já aprovado por ampla maioria na Assembleia Geral da ONU, exclui o Hamas de qualquer papel futuro na governança palestina. Para Macron, o reconhecimento faz parte de um processo que deve gerar novos compromissos e atitudes. Ele também deixou em aberto a possibilidade de sanções econômicas contra Israel caso a ofensiva militar continue.
O presidente francês negou motivações internas para sua decisão e lamentou que a posição da França esteja sendo distorcida. “Isso nos entristece e nos revolta”, disse. Sobre os apelos para boicote à participação de Israel no Festival Eurovisão da Canção, Macron declarou não ser favorável a boicotes em geral.
Virada diplomática
Diante da escalada militar de Israel em Gaza, a iniciativa francesa de reconhecer oficialmente o Estado palestino ganhou força diplomática, mas enfrenta desafios para se traduzir em medidas práticas. O embaixador dos EUA na França, Charles Kushner, questionou publicamente a iniciativa, perguntando se a França vai reconhecer primeiro e esperar o desarmamento depois.
Macron vê no reconhecimento da Palestina um legado diplomático e uma forma de se reconectar com a tradição universalista do Estado francês. Na segunda-feira, a França deve se tornar o primeiro país do G7 e o primeiro membro permanente ocidental do Conselho de Segurança a reconhecer oficialmente o Estado palestino — com o Reino Unido prestes a seguir o mesmo caminho.
Apesar dos desafios, Macron aposta num caminho irreversível para a paz. Para o ex-embaixador Michel Duclos, a iniciativa pode se tornar um marco, comparável à oposição francesa à guerra do Iraque em 2003.
Enfrentando uma crise política interna desde julho de 2024, Macron voltou-se para a diplomacia internacional como forma de consolidar seu segundo mandato. Na questão da Ucrânia, sua margem de ação depende das decisões do presidente norte-americano, Donald Trump, e da postura deste em relação à Rússia.
No Oriente Médio, os instrumentos franceses são ainda mais limitados. A chave está novamente em Washington. “A iniciativa só terá efeito se conseguir envolver Trump”, afirma Duclos, lembrando que isso poderia reativar acordos de normalização entre países árabes e Israel.
Evolução
Após os ataques do Hamas, Macron foi rápido em apoiar Israel, afirmando seu direito à autodefesa. Embora tenha mencionado a necessidade de proteger civis e reconhecido que uma paz duradoura exige um Estado palestino, sua postura inicial foi criticada por partes da opinião pública, especialmente após o agravamento da ofensiva israelense.
Com o tempo, Macron passou a pedir um cessar-fogo e endureceu o tom contra as ações israelenses. Em fevereiro de 2024, declarou que o reconhecimento da Palestina “não é tabu”. Contudo, por meses, as palavras não se converteram em ações concretas.
Segundo o diplomata Gérard Araud, ex-embaixador da França nos EUA, o Palácio do Eliseu recebeu inúmeros apelos para reagir à situação em Gaza, mas permaneceu em silêncio. Foi apenas em abril, durante um voo de volta de Al Arich — cidade no Egito onde se acumula ajuda humanitária bloqueada por Israel para os palestinos — que Macron indicou estar pronto para avançar com o reconhecimento da Palestina.