CRISTIANE GERCINA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Aumentar o tempo da licença-paternidade é uma das melhores formas de reduzir a diferença salarial entre homens e mulheres, dizem especialistas consultados pela Folha de S.Paulo. No entanto, o projeto aprovado na Câmara, que amplia a licença dos pais para até 20 dias após o nascimento do filho, representa apenas o começo dessa mudança.
O ideal, conforme ressaltam os especialistas, seria a criação de uma licença parental igual para mães e pais, garantindo o mesmo período afastado do trabalho após o nascimento ou adoção dos filhos.
Rodolfo Canônico, cofundador da Coalizão Licença Paternidade e diretor-executivo da ONG Family Talks, comenta que “essa ampliação na licença-paternidade é necessária, mas não é suficiente para a mudança social que precisamos”.
Pesquisas mostram que a maternidade é o principal motivo das desigualdades de gênero no mercado de trabalho. Pela proposta aprovada, a licença-paternidade aumentará gradualmente a partir de 2027, passando dos atuais cinco dias para 10, até alcançar 20 dias.
Paula Montagner, subsecretária de estatísticas e estudos do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), explica que ampliar a licença-paternidade e adotar licença parental são critérios usados pelo ministério para incentivar empresas a reduzir a diferença salarial entre homens e mulheres.
Segundo o 4º relatório sobre remuneração do governo Lula, baseado na Lei da Igualdade Salarial, mulheres ganham em média 21% menos que homens em empresas com cem ou mais funcionários, segundo dados de 54 mil empresas no Brasil, um número ligeiramente maior que a média da América Latina (20%).
Paula destaca que, quando há diferença salarial, o ministério solicita informações às empresas sobre as ações que estão tomando para resolver essa desigualdade. “Empresas que oferecem licença-paternidade estendida e apoiam a parentalidade mostram que estão buscando se modernizar.”
Rosana Silva, do Ministério das Mulheres, atua para diminuir essa desigualdade salarial e cita que algumas empresas já oferecem até 40 dias de afastamento para os pais após o nascimento ou adoção. Ela acredita que se é possível implementar boas práticas em algumas empresas, elas podem ser adotadas por outras também.
Bárbara Ferrari, advogada especialista em direito trabalhista e sócia do Ferrari Rodrigues Advogados, diz que uma licença-paternidade maior reduz faltas dos pais no início da vida dos filhos, além de permitir maior convivência entre pais e filhos.
“Isso também ajuda os trabalhadores a acompanharem consultas de rotina dos bebês, diminuindo o absenteísmo,” explica Bárbara. Ela aponta que a ampliação da licença é uma medida importante para fortalecer a igualdade salarial e de gênero prevista na lei 14.611/2023, mas que são necessárias mais ações para garantir que isso realmente aconteça.
“Além da legislação, é fundamental que existam políticas públicas e empresariais que ofereçam suporte durante esse período de afastamento,” complementa.
Danilo Schettini, especialista em direito do trabalho e sócio da Advocacia Schettini, lembra que a aprovação do projeto foi estimulada após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2023. Os ministros destacaram que o Congresso estava há mais de 40 anos sem regulamentar a licença-paternidade no Brasil, e deram um prazo de 18 meses para que o tema fosse regularizado.
Com o prazo se encerrando em 2025, o Congresso atuou para cumprir a determinação e preencher essa lacuna legal, afirma Danilo.
Ele destaca que a ampliação da licença ajuda a diminuir as diferenças de gênero, reforça o vínculo entre pais e filhos, fortalece as famílias e regulamenta uma legislação que estava pendente.
“A licença de apenas cinco dias reforça estereótipos de que o cuidado dos filhos é só responsabilidade das mães. Com um período maior para os pais, as responsabilidades se dividem melhor e se combate a discriminação de gênero no trabalho.”
Reflexos Econômicos
Rodolfo Canônico explica que os benefícios dessa mudança vão além da economia, atingindo famílias e crianças diretamente, mas que no longo prazo também impactam positivamente a economia como um todo.
Além disso, reforça que as empresas têm papel importante na mudança social ao reduzir a sobrecarga do cuidado que geralmente recai sobre as mulheres, sem que isso represente um custo financeiro elevado para elas.
“Trinta dias de licença equivalem a um período de férias. Nenhuma empresa entra em colapso por causa disso, basta planejamento e comunicação prévia.”
A licença-paternidade maior também pode beneficiar mulheres em casais homoafetivos, já que o STF garantiu que em casais formados por duas mulheres, uma tem direito à licença-maternidade e a outra à licença equivalente à dos pais, alinhando os direitos.
Como é a licença-paternidade no Brasil?
Verônica Irazabal, advogada do Mauro Menezes & Advogados, afirma que a licença-paternidade está prevista na Constituição Federal, mas faltava regulamentação adequada.
O artigo 10 do ADCT garante aos pais até cinco dias corridos de afastamento do trabalho, sem prejuízo do salário, e a lei 11.770, que instituiu o Programa Empresa Cidadã em 2008, permite que empresas estendam esse prazo em até 15 dias para obter benefícios fiscais, chegando a um total de 20 dias.
Servidores públicos têm regras específicas, e o STF ampliou os direitos referentes à licença para pais em casos de nascimento ou adoção, especialmente para casais homoafetivos.
Em outubro, o STF padronizou as regras para licenças de maternidade, paternidade e adoção para servidores públicos civis e militares em Santa Catarina, garantindo afastamento igualitário, o que deve influenciar decisões semelhantes em outros estados.
Verônica acredita que a lei não será contestada judicialmente, uma vez que o Supremo exigiu a regulamentação, e destaca que o Brasil está cumprindo compromissos internacionais como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e a Convenção sobre os Direitos da Criança.
