Yann Rodrigues, 25 anos, conheceu ainda na infância a dor de perder uma ente querida por causa da fé. Há 15 anos, sua avó faleceu por recusar transfusão de sangue, decisão baseada na crença das Testemunhas de Jeová.
Este acontecimento marcou profundamente Yann, que saiu da religião aos 15 anos. Anos depois, fundou o Movimento de Apoio às Vítimas das Testemunhas de Jeová (MAV-TJ), grupo que denuncia práticas abusivas na igreja.
A crença é fundamentada em interpretações bíblicas (Gênesis 9:4; Levítico 17:10; Deuteronômio 12:23; Atos 15:28-29; Levítico 17:14) e proíbe transfusões de sangue, pois qualquer ingestão de sangue é entendida como proibida por Deus.
Tal recusa, mesmo em riscos graves à vida, é uma das características mais controversas da religião. Muitas vezes, os fiéis registram procuração para garantir que a recusa seja respeitada em situação de emergência.
A perda da avó motivou Yann a lutar contra essa doutrina que, segundo ele, tira vidas.
“São inúmeros os casos de mortes por causa dessa prática. A minha avó morreu por se recusar à transfusão. Isso me abalou e me levou a renegar essa religião extremista, que não tem amor e ceifa vidas”, relata o autônomo.
Manifestação em Brasília
No dia 14 de agosto, Yann e outros ex-membros protestaram na frente do Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo revisão da decisão sobre o custeio pelo SUS de tratamentos negados por crenças religiosas.
O julgamento vai discutir condutas médicas em casos em que o risco de morte é iminente e tratamentos alternativos inexistem, como em grandes perdas de sangue.
“Defendemos saúde pública igualitária. A crença religiosa não pode se sobrepor à ciência. Membros que aceitam transfusão são expulsos da igreja, o que põe as pessoas entre a cruz e a espada”, explica Yann.
Ele destaca progressos, como a inclusão de emenda que protege crianças e incapazes de recusarem transfusão, mas ressalta a necessidade de avançar para proteger adultos.
Yann alerta ainda para possíveis impactos no SUS, como aumento de custos e desigualdade de acesso caso tratamentos baseados em crenças específicas sejam adotados.
O MAV-TJ organiza manifestações, buscando alertar autoridades sobre os danos dessas doutrinas.
Histórias da revista “Despertai!”
Publicações da igreja relatam jovens que recusam transfusão por obediência a Deus, mesmo sob risco de morte, prometendo recompensa no Paraíso.
Um exemplo é Adrian, caso narrado na edição de maio de 1994, que perdeu a vida ao recusar transfusão devido à fé.
“Mãe, desobedecer a Deus para prolongar a vida agora e perder a ressurreição futura não é inteligente”, teria dito o jovem, segundo a revista.
Decisão judicial
Em 2024, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou pedido de indenização da família de uma paciente Testemunha de Jeová que recusou cirurgia com transfusão.
O hospital buscou alternativa que respeitasse a crença, encaminhando para hospital particular, onde a cirurgia foi feita, mas a paciente faleceu.
O desembargador Marcelo Martins Berthe afastou responsabilidade do hospital, afirmando que o tratamento foi disponibilizado conforme os desejos da paciente e familiares.
“A mera ocorrência de dano não implica responsabilidade da Fazenda Pública, sem comprovação de falha no atendimento”, afirmou o magistrado.