Ana Gabriela Oliveira Lima
São Paulo, SP (Folhapress)
O inquérito que levou ao indiciamento de Jair Bolsonaro (PL) e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por suspeita de pressão ilegal no processo sobre a trama golpista pode ser dividido e alcançar pessoas próximas ao ex-presidente, como a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
O relatório final da Polícia Federal, que motivou o indiciamento de Bolsonaro e seu filho, foi enviado, na sexta-feira (15), ao Supremo Tribunal Federal (STF). Agora, a Procuradoria-Geral da República (PGR) decidirá se arquiva o caso, pede novas investigações ou apresenta denúncia.
Especialistas consultados informam que a PGR pode denunciar apenas alguns envolvidos ou todos eles, sem se limitar aos dois políticos atualmente indiciados. Também é possível que a investigação seja dividida para aprofundar alguns pontos.
Para a Polícia Federal, há provas suficientes de que Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro tentaram interferir no processo que investiga a trama golpista de 2022 e 2023 por meio da atuação do deputado no exterior.
Essa investigação começou em maio a pedido da PGR, e no inquérito são citados crimes como coação, obstrução da Justiça, tentativa de acabar com o Estado democrático de Direito e ataque à soberania.
Nos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro anunciou em março que se afastaria do cargo para fazer uma campanha a favor de sanções contra autoridades brasileiras que investigam seu pai.
O ex-presidente está em prisão domiciliar desde 4 de agosto por desrespeitar uma medida judicial. O julgamento que investiga a tentativa de golpe começará em 2 de setembro. Se condenado, ele pode cumprir mais de 40 anos de prisão e ter sua inelegibilidade, que vai até 2030, estendida.
Além de Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro, outras pessoas próximas ao ex-presidente ajudaram na tentativa de interferir na Justiça, segundo a Polícia Federal.
Entre elas está o pastor Silas Malafaia, que também é investigado e teve seu celular apreendido e passaporte cancelado por determinação do STF. Ele está proibido de sair do país e de contatar Eduardo Bolsonaro e Jair Bolsonaro.
A Polícia Federal afirma que o pastor “tem participado livre e conscientemente” das estratégias para pressionar por anistia. Mensagens entre Silas Malafaia e Jair Bolsonaro sobre ações para essa pressão constam no relatório final do inquérito.
O ex-comentarista da Jovem Pan Paulo Figueiredo também é investigado e réu no processo que apura a tentativa de golpe. A Justiça teve dificuldades para intimá-lo pessoalmente devido à sua moradia nos Estados Unidos.
O relatório da PF aponta que Michelle Bolsonaro e a esposa de Eduardo Bolsonaro, Heloísa Bolsonaro, teriam colaborado no esquema, ajudando a transferir dinheiro entre pai e filho.
O objetivo seria criar maneiras de esconder a origem e o destino do dinheiro, para financiar atividades ilegais do deputado no exterior.
Fernanda Bolsonaro, esposa de outro filho do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), também é mencionada. A PF diz que ela teria criado e enviado um pedido de asilo que Jair Bolsonaro teria preparado para o presidente da Argentina, Javier Milei.
Segundo Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio, o indiciamento pela PGR não limita a atuação do Ministério Público, que pode denunciar apenas um ou todos os investigados.
Marcelo Crespo, professor e coordenador do curso de Direito da ESPM, explica que a PGR pode denunciar algumas pessoas e pedir mais investigações envolvendo outras próximas ao ex-presidente, como Silas Malafaia.
O divórcio da investigação também é citado por Ricardo Martins, advogado criminalista. Ele sugere que a atuação do pastor pode configurar crime contra o Estado democrático de Direito.
Ricardo Martins acrescenta que Michelle Bolsonaro e Heloísa Bolsonaro poderiam ser responsabilizadas criminalmente se for comprovado que colaboraram com lavagem de dinheiro e tentativa de impedir o bloqueio judicial de bens.
Marcelo Crespo diz que a participação de Silas Malafaia é detalhada e mostra uma ligação próxima com a família Bolsonaro.
Quanto a Michelle Bolsonaro e Heloísa Bolsonaro, Crespo afirma que a denúncia pode envolver os mesmos crimes do ex-presidente, dependendo do grau de intenção delas.
“No Código Penal, todos que colaboram com um crime respondem pelas mesmas penas, a não ser que se prove que desconheciam a situação e foram usadas”, explica Crespo.
Thiago Bottino, por sua vez, avalia que o relatório não mostra participação consciente de Michelle Bolsonaro e Heloísa Bolsonaro na tentativa de obstruir a Justiça, indicando que sua participação parece limitada à transferência de dinheiro.
Ele considera que uma implicação jurídica para elas só ocorreria se fosse comprovado que tinham conhecimento da tentativa de pressão sobre o processo, caso em que poderiam responder pelos mesmos crimes que Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro.
Sobre Fernanda Bolsonaro, Marcelo Crespo entende que há menos elementos para justificar uma responsabilização jurídica, apesar da colaboração no pedido de asilo.