MATEUS VARGAS
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
Insulinas sem aprovação oficial da Anvisa estão sendo amplamente utilizadas no tratamento de diabetes pelo SUS.
Das 67 milhões de canetas e frascos entregues em 2025 pelo Ministério da Saúde, cerca de 46 milhões foram aprovados apenas por órgãos internacionais. Essa medida emergencial gerou críticas da indústria do país e dúvidas sobre a qualidade desses produtos.
O ministério atribui a falta global de insulina à atenção da indústria para as canetas de emagrecimento. As principais fabricantes de insulina também atuam no lucro mercado de remédios para obesidade. Segundo o ministério, todas as compras seguem a lei brasileira, adquirindo produtos sem registro para evitar faltas.
Documentos internos das compras do SUS mostram que empresas mencionam dificuldades para atender a demanda pública devido ao preço baixo em licitações, alta procura e fim da produção de insulinas antigas, como as humanas.
Empresas estrangeiras como Novo Nordisk e Eli Lilly, e o laboratório nacional EMS, com registros de insulina, disputam o mercado também na área de emagrecimento.
Maior fornecedora mundial de insulina, a Novo Nordisk negou ligação entre a suspensão de insulinas antigas e os remédios para obesidade. A empresa afirma estar modernizando tratamentos para diabetes e afirma que entregou cerca de 20 milhões de frascos e canetas em 2025, antecipando 90% do previsto, apesar do aumento global na demanda e limitações na produção.
A principal fornecedora atual do SUS é a GlobalX, com contratos de R$ 642 milhões e fornecimento de cerca de 40 milhões de frascos e 2,9 milhões de canetas reutilizáveis até setembro. O ministério determinou troca de 50 mil canetas após reclamações por defeitos e embalagens danificadas.
Solange Travassos, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, ressalta a gravidade: “Para quem tem diabetes tipo 1, não produzir insulina pode ser fatal em um dia. Insulina com caneta defeituosa não pode ser aplicada”.
O ministério explicou que a menor oferta está relacionada à prioridade dada a produtos mais lucrativos como os de emagrecimento, sem citar empresas específicas.
Ele também destacou investimentos para produzir insulina nacionalmente, por meio de parcerias tecnológicas com laboratórios da Índia e China, visando cumprir metade da demanda do SUS com 45 milhões de doses anuais.
O governo estuda substituir insulinas humanas antigas nas unidades públicas por insulinas análogas, hoje usadas restritamente.
Solange Travassos explica: “As insulinas NPH e regular fornecidas pelo SUS são muito antigas e têm desvantagens que podem causar hipoglicemia. Insulinas análogas, melhores e mais modernas, são essenciais, porém exigem treinamento do paciente”.
Para importar insulina sem registro no Brasil, a Anvisa exige certificação por agências internacionais do ICH, que possuem diversos padrões regulatórios, o que pode causar variações de qualidade, conforme o advogado e ex-diretor da Anvisa Jaime César Oliveira.
Jaime César Oliveira alerta que a compra de medicamentos sem registro implica riscos e responsabilidades, já que empresas registradas são responsáveis por monitorar seus produtos.
A caneta da GlobalX tem aprovação da Anvisa por ser considerado dispositivo de baixo risco, porém a insulina fabricada na China não possui certificação da agência.
A empresa informou que a caneta usada em vários países apresentou falhas em uma pequena parte dos produtos, que estão sendo ajustados.
Outra fornecedora sem registro, Star Pharma, que usa insulina de fabricantes na China, México e Egito, tem contratos de R$ 143,3 milhões. A licitação envolveu suspeitas de coincidência entre concorrentes e entregas atrasadas; a empresa nega irregularidades.
A Anvisa informou que suas áreas de fiscalização investigam as canetas que precisaram ser trocadas e que insulinas sem registro passam por controles de qualidade quanto ao transporte, recebimento e armazenamento, além de outras fiscalizações.