VITOR HUGO BATISTA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Uma pesquisa conduzida por brasileiros e publicada na revista Nature Neuroscience, a principal publicação em neurociência, descobriu que duas células responsáveis pela inflamação no cérebro, a micróglia e os astrócitos, são fundamentais para o avanço da doença de Alzheimer.
Essa descoberta pode ajudar no desenvolvimento de tratamentos mais eficazes, que vão além dos focos habituais nas proteínas beta-amiloide e tau, consideradas as principais causas da doença.
O estudo analisou mais de 300 pessoas do Canadá e dos Estados Unidos, incluindo indivíduos saudáveis e pacientes de Alzheimer em diferentes estágios. Para isso, foram usadas técnicas avançadas de neuroimagem e análise de substâncias no sangue e no líquor, que é o líquido ao redor do cérebro e da medula espinhal, identificando as mudanças no cérebro relacionadas ao progresso da doença.
Eduardo Zimmer, neurocientista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e um dos líderes da pesquisa, explicou que “o Alzheimer só progride quando o cérebro está inflamado, ou seja, quando a micróglia e os astrócitos estão ativos e se comunicando de forma inadequada”.
Para João Pedro Ferrari-Souza, doutorando da UFRGS e primeiro autor do estudo, “essa é a primeira prova clínica que mostra que a interação entre micróglia e astrócitos é crucial para o avanço do Alzheimer. Juntas, essas células criam um ciclo de inflamação que acelera o desgaste das funções mentais”.
Até agora, o acúmulo das proteínas beta-amiloide e tau era considerado o principal motivo para o Alzheimer, e os tratamentos focavam na redução dessas proteínas no cérebro para diminuir o prejuízo cognitivo.
Medicamentos disponíveis podem diminuir a evolução da doença em cerca de 30%, mas os resultados ainda são limitados para controlar completamente o avanço do Alzheimer.
Algumas pessoas podem ter essas proteínas acumuladas no cérebro, mas não desenvolver sintomas da doença. Isso levou os pesquisadores a investigar outros fatores que influenciam como a doença progride em cada indivíduo.
Ferrari-Souza destaca que “há outras causas importantes além dessas proteínas”, e uma delas é a neuroinflamação, que é um processo de inflamação no cérebro provocado pela interação entre micróglia e astrócitos.
O grupo de estudo observou que os problemas começam quando o sistema de defesa do cérebro reage ao acúmulo da proteína beta-amiloide.
Nesse processo, a micróglia libera substâncias que ativam os astrócitos, e quando essas duas células estão desequilibradas, o cérebro entra em um estado constante de inflamação, facilitando o depósito da proteína tau e o comprometimento das funções cognitivas.
Zimmer sugere que futuros tratamentos possam focar em regular a comunicação entre essas células para tentar desacelerar o Alzheimer, além de apenas remover as proteínas beta-amiloide e tau.
O estudo utilizou biomarcadores muito sensíveis para medir a atividade das duas células, que são substâncias mensuráveis no sangue, líquor ou exames de imagem que indicam a reatividade dessas células. Contudo, eles não permitem observar diretamente a interação das células no tecido cerebral.
Em experimentos com animais, é possível usar câmeras e técnicas avançadas para ver essas células em ação, o que ajuda a entender melhor os processos celulares, explicou Ferrari-Souza.
Embora não seja possível visualizar essa interação ao vivo no cérebro humano, essa é a melhor técnica disponível para pesquisas clínicas atualmente.
Outro ponto a ser investigado é se esses resultados também são válidos para populações de outros países, como o Brasil.
Zimmer comenta que há planos para realizar estudos que confirmem se o mesmo ocorre no cérebro de brasileiros, e espera validar essas descobertas em nossa população.
