JOANA CUNHA
FOLHAPRESS
Ao acessar o site da farmácia de manipulação FSL Farma em busca de produtos para emagrecimento à base de semaglutida, o visitante encontra cápsulas sublinguais sem nenhuma menção ao medicamento original, Ozempic, da Novo Nordisk. No site da Formulados Farma, é oferecida uma versão da tirzepatida, presente no Mounjaro, medicamento da Eli Lilly.
A comercialização dessas versões manipuladas dos agonistas GLP-1 tem causado preocupação entre médicos, devido aos riscos para a saúde. Porém, a questão tomou um viés econômico, com o setor farmacêutico se posicionando contra a concorrência das farmácias de manipulação.
Em maio, o sindicato Sindusfarma enviou à Anvisa denúncias contra diversas farmácias que estariam vendendo e anunciando esses produtos ilegalmente. Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma, afirma que tais estabelecimentos praticam concorrência desleal e vendem produtos sem os mesmos padrões de segurança exigidos para medicamentos industriais.
Segundo o sindicato, os fornecedores usados por esses manipuladores não possuem as certificações exigidas para a importação no Brasil, diferentemente das indústrias instaladas nacionalmente. Mussolini informou que está analisando levar o caso à Justiça.
De acordo com o Sindusfarma, a fiscalização da Anvisa não consegue acompanhar a produção e circulação desses produtos manipulados.
“Não somos contra as farmácias de manipulação, mas exigimos que sigam as mesmas regras da indústria farmacêutica”, reforça Mussolini.
A Interfarma, entidade que representa grandes multinacionais do medicamento, defende a proibição total da manipulação desses agonistas GLP-1.
Levantamentos recentes indicam que o volume de insumos importados permite a fabricação irregular em escala industrial de milhões de unidades desses produtos, sem relação com os detentores das patentes.
O Sindusfarma destaca que algumas farmácias manipulam em escala imprópria, realizando publicidade inadequada e ofertando produtos com diferentes dosagens prontas para venda direta, o que não condiz com a necessidade médica de individualização da dosagem.
A Biofarma, uma das empresas citadas, declarou que produz apenas mediante pedidos personalizados e que não possui capacidade para produção em larga escala. Também afirmou ter retirado a semaglutida do estoque e não tê-la mais disponível.
Outras farmácias como Citrus e Unic Pharma indicam que o estoque de semaglutida está esgotado em seus sites.
A Formulados Farma reafirmou seguir as normas legais e acredita que a coexistência com a indústria é possível, desde que todos respeitem a legislação.
O presidente da Interfarma, Renato Porto, opina que a recente exigência de retenção de receita para vendas desses medicamentos não é suficiente para resolver o problema. “O uso em farmácias de manipulação traz riscos, pois esses produtos devem ser fabricados industrialmente. A personalização não é justificável nesse caso”, afirma.
A reclamação da indústria se estende a outros medicamentos populares, como os indicados para disfunção erétil e hormônios, que também foram denunciados.
A Anvisa informou que está colaborando com as vigilâncias sanitárias locais para fiscalizar farmácias e importadores, mas não divulgou detalhes por ainda estarem em andamento as ações.
Recentemente, a agência proibiu lotes de semaglutida e tirzepatida de duas empresas após inspeções.
A Novo Nordisk, titular da patente da semaglutida no Brasil até 2026, alerta que não existem versões manipuladas ou genéricas aprovadas pela agência reguladora e que a fabricação desses produtos é uma cópia ilegal que infringe patentes.
Já a Lilly, proprietária da patente da tirzepatida, afirma não fornecer insumos para farmácias de manipulação ou clínicas e que tomará medidas legais contra alegações falsas de vendas de seus produtos sem aprovação.
A Associação Nacional Magistral de Estéreis (ANME) declarou que a manipulação magistral é regulamentada e que orienta suas associadas a cumprirem as normas, destacando que qualquer desvio de conduta não representa a prática ética da associação.