LAIZ MENEZES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Heleno Andrade de Lima, de 79 anos, trabalha como zelador há quase 50 anos em um prédio na cidade de São Paulo, mesmo após se aposentar em 2009. De segunda a sábado, ele frequenta o trabalho diariamente, mas depende do uso de fraldas por causa da incontinência urinária que apareceu após um tratamento cirúrgico para câncer de próstata.
O câncer de próstata é o segundo tipo mais comum entre os homens, atrás apenas do câncer de pele. Embora os avanços nas formas de diagnóstico e tratamento tenham melhorado a vida dos pacientes, a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) informa que cerca de 5% dos doentes, algo em torno de 700 por ano, ainda enfrentam problemas persistentes para controlar a urina, mesmo com o tratamento oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O tratamento para incontinência urinária masculina pelo SUS é limitado, segundo Alexandre Fornari, coordenador do Departamento de Disfunções Miccionais da SBU. Inicialmente, os pacientes recebem fisioterapia para fortalecer a região pélvica e orientações para mudar hábitos, como controlar o consumo de líquidos e evitar alimentos que irritam a bexiga. “Esta é a única abordagem disponível no SUS. Não há tratamentos cirúrgicos que curem casos graves”, explica.
O Ministério da Saúde ressalta que o SUS oferece atendimento especializado, incluindo consultas, exames e tratamentos menos invasivos. “Quando necessário, disponibilizamos medicamentos, injeções específicas e em casos mais sérios, procedimentos cirúrgicos”, afirma o órgão, sem detalhar quais medicamentos ou procedimentos são esses.
Lucas Laferreira, urologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, informa que a maioria dos casos de incontinência urinária masculina está ligada ao tratamento para o câncer de próstata, que pode afetar o músculo responsável pelo controle da urina.
“A maioria dos pacientes apresenta melhora até um ano após o tratamento, mas entre 5% a 10% continuam com incontinência importante. Para esses casos, o SUS não oferece tratamento curativo”, esclarece.
Além dos que passaram por tratamento de câncer de próstata, outros homens podem apresentar problemas de incontinência devido a doenças neurológicas como esclerose múltipla e Alzheimer, ou por bexiga hiperativa, que causa urgência e perdas urinárias.
Nesses casos, existem tratamentos com remédios ou injeções de toxina botulínica, mas eles não resolvem quando o problema está no músculo que controla a urina, responsável por vazamentos ao tossir, espirrar ou levantar.
Para lidar com a incontinência, o que existe são soluções paliativas como absorventes, fraldas e, em situações mais difíceis, improvisos como panos, toalhas ou até garrafas plásticas adaptadas.
Essas medidas, contudo, podem provocar irritação na pele, infecções e prejudicar a autoestima e qualidade de vida dos pacientes.
Heleno de Lima é um exemplo desta situação. Apesar da incontinência, mantém uma rotina ativa, trabalhando das 8h às 17h de segunda a sexta e meio período aos sábados. Desde o tratamento cirúrgico para câncer de próstata, ele não consegue controlar a urina e utiliza fraldas diariamente.
O filho de Heleno, enfermeiro Aurivan Lima, 44 anos, conta que antes da cirurgia o pai tinha apenas pequenos escapes. Depois do procedimento, realizado em 2020, a incontinência piorou muito. “Ele precisa trocar fraldas várias vezes ao dia, mesmo sendo muito ativo”, relata.
Heleno sempre carrega fraldas extras para trocar ao longo do dia. “Ele evita sair e participar de atividades sociais por constrangimento, como entrar na piscina ou sair com a família. Isso afeta tanto a saúde física quanto o emocional”, explica Aurivan.
Mesmo com esses desafios, Heleno deseja continuar trabalhando e participando da vida em comunidade. “Gosto muito do meu trabalho, nunca chego atrasado e sou bem querido pelos colegas. Mas meu problema é usar muitas fraldas, o que dificulta sair e aproveitar momentos com a família”, conta.
Para casos como o de Heleno, o esfíncter urinário artificial é considerado o melhor tratamento no mundo, pois substitui o músculo danificado e pode restaurar o controle da urina. No entanto, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) deu parecer preliminar contrário à inclusão desse dispositivo no SUS.
A Conitec também levantou dúvidas se outras pessoas com incontinência grave, como mulheres, pacientes neurológicos ou vítimas de lesões na bacia, ficariam sem acesso à tecnologia, já que a proposta contemplava apenas homens pós-prostatectomia.
“Os homens com incontinência persistente após a prostatectomia, principalmente os com mais de 65 anos, são o grupo que mais precisa. Outros grupos são mais raros”, afirma Fornari.
Após o parecer negativo, a Conitec abriu uma consulta pública para que a população possa contribuir, e as sugestões serão analisadas em um relatório técnico. O Ministério da Saúde informou que as contribuições serão consideradas e integradas no relatório que a Conitec avaliará.
De acordo com a SBU, o custo de um esfíncter artificial gira em torno de R$ 80 mil, podendo diminuir para cerca de R$ 55 mil se a demanda aumentar. A entidade também destaca que o custo de manter pacientes com incontinência usando fraldas, além do tratamento para infecções urinárias constantes e problemas de pele, pode ser ainda maior ao longo da vida.
O projeto Saúde Pública conta com apoio da Umane, uma associação civil que apoia iniciativas para promover a saúde.