LUCAS MARCHESINI E RAPHAEL DI CUNTO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), contratou três mulheres para trabalharem em seu gabinete, porém as funções delas não combinam com o que deveriam fazer no órgão: uma é fisioterapeuta, outra é estudante de medicina e a terceira é assistente social em uma prefeitura na Paraíba.
Todas são secretárias parlamentares, com carga de trabalho de 40 horas por semana, não podem ter outro emprego público e não precisam usar ponto biométrico na Câmara. Uma mora em Brasília e as outras duas na capital paraibana, João Pessoa.
Hugo Motta decidiu demitir duas dessas funcionárias após a Folha de S.Paulo o questionar em 8 de julho. A assessoria confirmou a ordem de demissão no dia 15, mas a saída delas ainda não consta no boletim oficial da Câmara.
Este ano, o total que receberam chega a R$ 112 mil, incluindo salário e benefícios. Elas não quiseram dar mais detalhes sobre suas atividades no gabinete.
A investigação da Folha de S.Paulo reuniu dados oficiais, documentos dos contratos, processos judiciais, redes sociais e visitas para conhecer a rotina dessas funcionárias.
Gabriela Pagidis é fisioterapeuta. Ela trabalha em clínicas de Brasília nas segundas, quartas e parte das terças e quintas. Os locais confirmaram seus horários e o Ministério da Saúde também tem registro desses turnos.
Ela mostrou em redes sociais sua rotina, inclusive com fotos usando camiseta do time de futebol Fluminense. A Folha acompanhou e percebeu que nos dias que não trabalha como fisioterapeuta, ela frequenta uma academia perto de casa.
Louise Lacerda é estudante de medicina na Faculdade Nova Esperança em João Pessoa, local onde ela reside. O curso é integral e durante o dia.
Monique Magno, outra funcionária do gabinete, é assistente social na prefeitura de João Pessoa há quatro anos. Ela cumpre 30 horas semanais na prefeitura. Para trabalhar em dois cargos públicos ao mesmo tempo, teria que cumprir uma jornada dupla diária sem intervalo.
Hugo Motta afirmou, por meio de sua equipe, que exige que seus funcionários cumpram suas obrigações, mesmo para aqueles que trabalham remotamente e não precisam bater ponto, segundo as regras da Câmara.
A reportagem pediu os registros de ponto, mas o gabinete de Hugo Motta negou o acesso e não comentou sobre as funções nem horários dessas servidoras.
Hugo Motta está na Câmara desde 2011 e mantém essas funcionárias, com atividades incompatíveis, desde 2017.
Gabriela Pagidis foi contratada em junho de 2017, filho da chefe de gabinete de Hugo Motta. Na época, ela cursava fisioterapia na Universidade de Brasília, curso que terminou em 2019. Atualmente, recebe um salário bruto de R$ 11,5 mil mais R$ 1,8 mil de auxílio.
Ela disse que no gabinete se ocupa principalmente da organização da agenda e eventos. Sobre seu trabalho como fisioterapeuta, afirmou ser esporádico, e encerrou a conversa ao ser questionada sobre a conciliação das funções.
Louise Lacerda entrou no gabinete em 2018, recebendo salário de R$ 2.800 mais auxílio de R$ 1.800. Antes cursava farmácia e depois se transferiu para medicina, onde se formou recentemente. Sua família tem forte ligação política em Conceição (PB).
Monique Magno entrou no gabinete em 2019, com salário inicial de R$ 1.200, hoje recebe R$ 1.800 brutos mais R$ 1.800 de auxílio. Paralelamente, ela trabalha na prefeitura de João Pessoa, recebendo R$ 2.000. A Câmara veta esse tipo de acúmulo.
Ela afirmou que consegue cumprir os horários dos dois postos de trabalho e ainda cuidar de seu filho sozinha. A prefeitura disse que não tinha conhecimento de outro vínculo público dela.
Além desses três casos, Hugo Motta também emprega sua ex-sogra no gabinete, que recebe salário e aposentadoria, embora em um processo legal tenha declarado ser apenas aposentada.
Políticos locais ficaram surpresos com a contratação dela e a reportagem não conseguiu contato para comentários.