VITOR HUGO BATISTA
FOLHAPRESS
“Não consegui dormir. Fiquei muito ansioso e com medo”, conta o hematologista Mair Souza, 67 anos, após receber o diagnóstico de câncer de próstata. “O medo da morte me perseguiu por semanas. Foi muito difícil.”
Apesar de reconhecer que enfrentar essa situação não estava sendo fácil, Mair não buscou apoio profissional.
“Minhas filhas insistiram para que eu procurasse ajuda. Até sugeriram acompanhamento com um especialista”, diz ele.
No SUS (Sistema Único de Saúde), o atendimento psicológico para pacientes com câncer é gratuito e parte do tratamento completo. Mesmo assim, muitos homens têm resistência em procurar essa ajuda, segundo especialistas.
“O primeiro medo que a maioria relata é o da morte. Depois, vem o receio de não conseguir enfrentar o tratamento, de sofrer e não ter um resultado positivo. Mas eles evitam os serviços de psicologia”, explica Kátia Antunes, psico-oncologista e membro do Comitê Científico do Instituto Lado a Lado pela Vida, com 18 anos trabalhando em centros contra o câncer.
Kátia destaca que essa resistência está ligada a pressões sociais baseadas em um estereótipo de masculinidade, que afirma que homens não podem chorar ou mostrar fragilidade, fazendo com que eles neguem emoções como raiva e tristeza, comuns após o diagnóstico.
Esse comportamento afasta os homens dos psicólogos, aumentando problemas emocionais como ansiedade e depressão.
Além disso, outros fatores complicam a situação, como dificuldades financeiras e a logística do tratamento. Nem todos têm condições para um tratamento oncológico de qualidade, que pode ser caro.
Muitos precisam parar de trabalhar ou se deslocar para outras cidades, ficando em hotéis, casas de apoio ou com parentes, o que gera preocupações extras e afeta a saúde mental, aponta Andrade.
O oncologista David Muniz, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, explica que os tratamentos também podem alterar o humor e impactar a saúde mental. Radioterapia e cirurgia para remoção da próstata podem causar efeitos colaterais como incontinência urinária e dificuldade de ereção, piorando o estado psicológico.
“Por isso, é essencial que o paciente tenha um diálogo aberto e direto com a equipe multidisciplinar, que inclui médicos, psicólogos, fisioterapeutas e psiquiatras. Esse acompanhamento ajuda a lidar tanto com os efeitos físicos quanto emocionais do tratamento”.
Quanto ao uso de medicamentos para tratar ansiedade e depressão, somente psiquiatras devem fazer o diagnóstico e indicar remédios, para evitar interações com o tratamento do câncer.
Especialistas também ressaltam o papel fundamental do apoio da família e amigos para enfrentar os desafios com mais leveza e segurança. Foi o que Mair fez.
“Eu não procurei um profissional de saúde mental porque sabia como iria reagir. Pensei que logo isso passaria e fiquei perto das pessoas que amo, fazendo coisas que gosto. Ouvi músicas, assisti filmes e busquei não pensar em coisas que me deixassem ainda mais preocupado”, conta ele.
Mesmo com o suporte da família, pacientes às vezes descontam a raiva em seus entes queridos.
“Muitas vezes escuto mulheres reclamando que seus maridos estão irritados, mas não admitem que eles precisam de ajuda”, relata Kátia.
Ela afirma que a família é uma verdadeira “caixa de surpresas” diante do câncer. Alguns parentes ficam mais afetados que o doente; outros se fortalecem para dar apoio.
“As situações variam. Alguns filhos brigam para não cuidar, outros para ficar; alguns se afastam por falta de paciência, enquanto outros são dedicados. O paciente percebe essas tensões e pode ficar ainda mais deprimido”, explica Kátia.
A psico-oncologista comenta que as mulheres geralmente assumem a maior parte das responsabilidades, sofrendo mais sobrecarga, enquanto os homens prestam menos apoio, o que pode causar separações.
Nesses casos, é importante avaliar desde o início como o câncer afeta a dinâmica familiar para escolher a melhor terapia, que muitas vezes inclui reorganizar as emoções de todos para garantir o bem-estar.
O tratamento psicológico para pacientes com câncer pode ser individual ou em grupo, conforme as necessidades e preferências.
A terapia individual é indicada para quem tem dificuldade de se abrir, oferecendo um ambiente seguro para expressar sentimentos e medos.
Os grupos de apoio, especialmente separados por gênero, ajudam a criar um espaço de troca, reduzir tabus e fortalecer o enfrentamento emocional por meio do compartilhamento de experiências semelhantes.
Este conteúdo faz parte do projeto Vita, com o apoio do Hospital Sírio-Libanês.
