LUANY GALDEANO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
Alguns servidores públicos chegam a receber até R$ 44 mil em gratificações extras em apenas um mês por participarem de atividades complementares como elaboração de provas e ministrar cursos.
Essas gratificações são destinadas aos profissionais que realizam tarefas como preparar exames para concursos ou dar aulas em oficinas. Com esses adicionais, o salário dos servidores pode ultrapassar o teto constitucional de R$ 46 mil.
Em 2024, o governo federal desembolsou R$ 55 milhões com essas gratificações. De acordo com dados do Ministério da Gestão e da Inovação (MGI), obtidos via Lei de Acesso à Informação, cerca de 3,3% dos servidores ativos no ano anterior receberam esses benefícios, cujo valor médio foi de R$ 1.350.
Piragibe Tarragô, diplomata do Ministério das Relações Exteriores, recebeu uma gratificação de R$ 44 mil em dezembro por sua participação em bancas examinadoras que avaliaram teses e defesas orais. Com esse extra, o salário líquido dele foi de R$ 54 mil.
Já Caren Saccol, professora do Colégio Militar do Rio de Janeiro, ganhou R$ 41 mil como adicional por elaborar provas para o concurso de admissão da instituição. Juntando salário base, gratificação de fim de ano e um terço das férias, seu salário bruto chegou a R$ 82,8 mil, sendo o líquido R$ 62,8 mil.
Valéria da Luz, também do Colégio Militar, recebeu cerca de R$ 37,9 mil devido à sua participação no concurso da escola, resultando em um salário líquido de R$ 60,9 mil.
O MRE explicou que a gratificação para Piragibe foi concedida pela sua atuação como membro de banca em curso para diplomatas.
O Exército, que administra o Colégio Militar, informou que Caren Saccol e Valéria da Luz possuem mestrado e reconhecimento de competências, além de terem recebido 13º salário e férias com acréscimo naquele mês.
O valor das gratificações segue um decreto do MGI que determina um percentual do maior salário básico da administração pública federal, que é R$ 29.760,95, calculado por hora trabalhada nas atividades que dão direito ao adicional.
Esse percentual varia de 0,3% a 1,47%, dependendo da atividade, sendo maior para instrução em cursos de formação e menor para aplicação de provas.
Por exemplo, um professor universitário com doutorado que orienta uma tese em pós-graduação pode receber até 1,47% do maior salário básico por hora. Se ele dedicar 20 horas a essa função, pode receber R$ 8.749 ao final.
Cada órgão federal tem autonomia para estabelecer sua própria tabela de gratificações conforme seus objetivos e orçamento, respeitando o limite do decreto.
Em 2023, foram gastos R$ 55 milhões em gratificações para servidores, incluindo professores universitários e agentes da Polícia Rodoviária Federal, que estão entre os que mais recebem esses adicionais.
Humberto Falcão Martins, professor de gestão pública na Fundação Dom Cabral, considera que essas gratificações podem ser vistas como um benefício extra indevido, já que algumas funções, como orientar teses, deveriam estar incluídas nas atribuições normais do cargo.
Segundo ele, no setor privado, a orientação é uma parte natural do trabalho e não gera adicionais. Ele vê essa prática no setor público como uma forma de aumentar a remuneração de servidores.
O MGI defende que o valor investido nas gratificações fortalece a capacitação e a troca de conhecimento entre servidores, contribuindo para um Estado mais eficiente e inovador.
A Controladoria-Geral da União (CGU) explicou que a gratificação de R$ 38 mil recebida por Kátia Sousa foi legal, referente à atuação como instrutora e facilitadora de oficinas durante cerca de 175 horas entre abril e setembro de 2024.
O Ministério do Trabalho afirmou que esses benefícios valorizam competências internas, citando o caso de Robson Mota, que recebeu R$ 37 mil por ministrar cursos no ministério durante 160 horas.
A Escola Nacional de Administração Pública (Enap) informou que a gratificação de quase R$ 37 mil paga a Isabelle França foi referente a um serviço profissional especializado para elaborar projeto pedagógico de um curso.
Paula Simões, servidora da Anvisa cedida à Agência Nacional de Mineração (ANM), recebeu quase R$ 35 mil por realizar atividades extraordinárias fora do horário regular de trabalho.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ressaltou que as gratificações são permitidas por lei desde que não prejudiquem as atribuições do cargo, e que os servidores que mais receberam estavam cedidos a outros órgãos.
O Ministério do Planejamento disse que a gratificação de R$ 33 mil paga a Luiz Guilherme Henriques no ano passado foi por atividades da Enap no curso de formação de Analista de Planejamento e Orçamento.