O termo Sertão, com sua grafia similar ao português, é definido no Duden, o mais respeitado dicionário da língua alemã, como uma “região difícil de atravessar, composta por mata seca e arbustos”. Essa definição simboliza a complexidade da jornada narrada em Grande Sertão: Veredas (1956), obra-prima do escritor brasileiro João Guimarães Rosa. Em agosto de 2026, data em que celebrará 70 anos, o romance terá uma nova tradução para o alemão.
A editora Fischer Verlag, sediada em Frankfurt, anunciou à DW que a segunda versão em alemão será lançada no referido ano. Depois de quase 15 anos de dedicação, o tradutor Berthold Zilly deverá concluir a tradução em meados de 2025, trazendo para o idioma alemão a complexa história do jagunço Riobaldo e o estilo inovador de Rosa.
Atualmente, o texto está em fase de revisão coordenada por Sebastian Guggolz. Além dos ajustes finais, espera-se a inclusão de recursos como glossário, notas explicativas e um posfácio, a serem entregues até o final deste ano. Segundo o tradutor, já sente grande alívio com o progresso do trabalho.
O desafio não é inédito para Zilly, que em 1994 traduziu Os Sertões (1902), clássico de Euclides da Cunha, pela primeira vez publicado na Alemanha como Krieg im Sertão (Guerra no Sertão). A obra foi muito elogiada e figurou entre as melhores daquele ano.
Zilly possui um currículo de traduções de grandes autores brasileiros, incluindo Lima Barreto, Machado de Assis e Raduan Nassar. Ainda assim, admite que a tradução de Grande Sertão: Veredas, iniciada em 2011, é a mais complexa de sua carreira.
Além da intricada prosa do narrador Riobaldo, ele enfrentou o legado da primeira tradução feita por Curt Meyer-Clason (1910-2012), responsável pela versão pioneira em 1964 pela editora Kiepenheuer & Witsch, de Colônia. Em contraste, a nova tradução sugerida por Zilly tem o título Grosse Sertão: Überquerungen (Grande Sertão: Travessias).
Zilly recorreu a viagens pelo sertão mineiro e contato com outras traduções, incluindo a versão inglesa de Alison Entrekin e a neerlandesa de August Willemsen, para entender melhor o idioma e a cultura local. Sua meta é preservar a densidade poética e a complexidade da obra original, diferentemente da suavização realizada por Meyer-Clason.
Um exemplo dessa abordagem é a tradução do termo emblemático “nonada”. Enquanto Meyer-Clason optou por uma frase explicativa, Zilly criou o neologismo “Na-nix-ja”, uma combinação de palavras alemãs que mantém o ritmo e a sonoridade do original.
Grande Sertão: Veredas tem uma relação histórica profunda com a língua alemã. Guimarães Rosa foi autodidata no alemão e trabalhou com traduções do idioma para o português em sua juventude. Durante a Segunda Guerra Mundial, serviu como cônsul em Hamburgo, onde ele e sua esposa, Aracy de Carvalho, ajudaram judeus a emigrar do regime nazista.
Apesar da influência limitada da obra na literatura alemã até o momento, a nova tradução pode renovar o interesse pelo clássico brasileiro. O enredo universal, envolvendo a luta entre o bem e o mal no cenário do sertão, possui ressonância atemporal e intercultural.
O professor Marcel Vejmelka, da Universidade de Mainz, destaca que, embora a penetração do livro no mercado tenha sido modesta, sua qualidade literária e a presença da nova tradução em uma editora renomada oferecem esperança para maior reconhecimento na Alemanha.
