A Advocacia-Geral da União (AGU) conquistou, nesta terça-feira (2/9), uma vitória significativa para o governo federal em uma batalha legal contra a Natura, uma das principais empresas brasileiras de cosméticos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o recurso da empresa que buscava a regularização retroativa de pesquisas feitas com cacau sem autorização governamental prévia.
A decisão reforça a constitucionalidade da fiscalização antecipada sobre o patrimônio genético brasileiro e invalida o argumento de que uma legislação posterior mais flexível poderia ser aplicada retroativamente ao caso em questão.
Esse julgamento criou um precedente importante que poderá influenciar o futuro da bioprospecção no Brasil.
Maria Carolina Florentina Lascala, advogada da União e coordenadora regional da União de Patrimônio e Meio Ambiente da 3ª Região, explicou que o tribunal reafirmou a posição da AGU de que a Lei nº 13.123/2015 — que regula o acesso a recursos genéticos e ao conhecimento tradicional associado — não se aplica retroativamente.
Ela ressaltou também que a decisão não compromete princípios como livre iniciativa, concorrência e liberdade econômica. Pelo contrário, a medida enfatiza o cuidado do direito ambiental em preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético nacional, garantindo o direito das futuras gerações a um ambiente equilibrado ecologicamente.
Contexto do Caso
A Natura buscava autorização para dispensar a exigência de permissão prévia na realização de pesquisas com o Theobroma cacao, o cacaueiro, uma espécie nativa e estratégica para a biodiversidade do país.
A empresa também pretendia regularizar as pesquisas que havia conduzido sem a aprovação estatal, o que, na prática, equivaleria a validar uma infração à proteção do patrimônio genético brasileiro — que abrange as informações genéticas presentes em espécies da fauna, flora e microrganismos nacionais.
Esse patrimônio inclui desde plantas nativas, como o cacau, até microrganismos úteis para pesquisas científicas e industriais, sendo sua titularidade da União e seu uso condicionado à autorização prévia do Estado para proteger a biodiversidade e evitar o uso indevido de recursos estratégicos.
A AGU defendeu que a legislação tem como objetivo proteger os recursos genéticos do país e que a exploração econômica deles sem controle governamental acarreta graves riscos ambientais. A instituição destacou que a identificação clandestina do valor econômico de espécies nativas poderia motivar uma exploração desordenada por agentes diversos, resultando em desequilíbrio ambiental.
O recurso da Natura foi parcialmente aceito: o STJ anulou a multa imposta pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) por embargos considerados protelatórios, mas manteve a necessidade de cumprimento das normas de fiscalização do patrimônio genético.