Recursos milionários foram doados pela Noruega e Alemanha para combater incêndios e ampliar ações de fiscalização na Amazônia
Alvo de críticas generalizadas por causa do avanço recorde do desmatamento na Amazônia, o governo tem deixado de usar recursos milionários já doados por outros países justamente para combater os crimes na floresta. Mais de R$ 33 milhões já repassados ao Brasil por meio do Fundo Amazônia, programa financiado com dinheiro da Noruega e Alemanha, estão disponíveis para duas ações, uma de combate a incêndios pelo Ibama e outra para que o Ministério da Justiça amplie o trabalho de fiscalização na floresta pela Força Nacional.
Esses recursos, porém, estão engavetados no BNDES. O Ibama não acessa o dinheiro há mais de dois anos. No caso da Força Nacional, o único saque ocorreu três anos e meio atrás.
No governo Michel Temer, uma parcela ínfima dos recursos chegou a ser usada, mas passou a enfrentar lentidão . Com o presidente Jair Bolsonaro, que o sucedeu, parou de vez. Maior programa de financiamento do País voltado a ações contra o desmatamento, o Fundo Amazônia travou um ano atrás, quando o ministro do Meio Ambiente e Bolsonaro passaram a disparar críticas e dúvidas sobre a iniciativa, sob acusações de que seus mais de 100 projetos ambientais, estimados em R$ 1,860 bilhão, serviriam para financiar organizações socioambientais, em vez de protegerem a floresta. O caso redundou no fim do Comitê Técnico do Fundo Amazônia, que analisava os programas a serem financiados, em trocas de comandos no BNDES e em uma crise diplomática com os países europeus, impossibilitando a possibilidade de renovação do fundo, o que já estava em discussão.
Como os dados mostram, porém, o próprio governo teve ações interrompidas, e organizações socioambientais. O Ministério da Justiça havia firmado, em 2015, um acordo para receber mais de R$ 30,6 milhões do Fundo Amazônia, para estruturar a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional, que atuaria diretamente no apoio a ações na floresta. O dinheiro foi integralmente repassado pelos países doadores ao BNDES, que atua apenas como um operador do recurso, mas apenas R$ 855 mil foi efetivamente usado. O Fundo Amazônia informa que o recurso de quase R$ 30 milhões segue disponível, mas nada ocorreu desde então.
No caso do Ibama, o órgão chegou a utilizar R$ 14,7 milhões de um programa firmado com o fundo para melhorar sua estrutura do Prevfogo, divisão que atua diretamente no combate a incêndios que devastam a Amazônia nesta época do ano. O órgão ligado ao MMA chegou a sacar um total de R$ 11,7 milhões desse recurso entre julho de 2014 e maio de 2018, com desembolsos ocorridos em todos os anos desse intervalo. De 2018 para cá, no entanto, mais nada ocorreu.
Pelas regras do fundo, o Brasil tem independência para escolher os programas que são apoiados pelos recursos. Essas iniciativas, porém, são monitoradas pelos doadores, assim como as taxas de desmatamento do País. O compromisso é que o Brasil apresente um desmatamento anual inferior à taxa de 8.143 km² por ano na região, para ter acesso aos recursos. Se superar essa marca, fica impedido de utilizá-los.
Na prática, hoje é impossível renovar o programa, porque o próprio Comitê Técnico do Fundo Amazônia, que analisa os dados de desmatamento, foi dissolvido por Ricardo Salles. Mesmo que esse comitê existisse, os dados do desmatamento apontam que sua renovação, ao menos pela regras atuais, estaria inviabilizada.
O Inpe mede o desmatamento verificado entre agosto e julho do ano seguinte. Os alertas mais recentes divulgados pelo órgão – com dados atualizados até 18 de junho, portanto, ainda parciais – mostram que já foram desmatados 7.115 km² de floresta na temporada agosto de 2019 a julho/2020, quase cinco vezes o tamanho da capital de São Paulo. Embora o ciclo ainda não tenha se fechado, faltando 43 dias para a contabilização final, ele já supera o verificado no ano passado, quando os alertas do Deter registraram 6.844 km².
O Ministério da Justiça foi questionado sobre as razões da paralisação em seu programa voltado ao incremento da Força Nacional e como isso o afetava. Por meio de nota, informou apenas que “a continuidade do contrato ainda está em apreciação no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública”.
O Estadão também questionou o Ibama sobre a não utilização de recursos do programa. O órgão, então, pediu para que a reportagem procurasse o Ministério do Meio Ambiente, que também disse não ter mais responsabilidade sobre o Fundo Amazônia e que era a vice-presidência da República de Hamilton Mourão que deveria se posicionar sobre o assunto. Não houve resposta até o fechamento desta reportagem.
O BNDES informou que o aporte de recursos no projeto do Ibama “é realizado de forma parcelada de acordo com o ritmo de execução” e que há “previsão de liberação da última parcela de recursos”, embora não tenha informado uma data. Sobre a Força Nacional, o banco declarou que “está em contato com o Ministério da Justiça para a retomada do projeto”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.