Mateus Vargas
Brasília, DF (FolhaPress)
O Ministério da Justiça e Segurança Pública bloqueou neste ano o acesso de cerca de 60 mil usuários ao Córtex, uma plataforma essencial usada para ações de inteligência pelas polícias de todo o país. Segundo o ministério, a maior parte dos bloqueados eram perfis que estavam inativos.
Atualmente, cerca de 38 mil cadastros continuam com acesso liberado à plataforma, de acordo com informação fornecida pelo ministério via Lei de Acesso à Informação (LAI). Os usuários podem consultar dados sobre pessoas, veículos e câmeras de segurança através de um site oficial.
Além disso, programas locais como o Smart Sampa, da prefeitura de São Paulo, utilizam essas informações em sistemas próprios.
Conforme reportado pela Folha de S.Paulo, governo e Polícia Federal investigam irregularidades no Córtex, por exemplo, o uso de mais de 70 milhões de CPFs para realizar mais de 213 milhões de consultas via contas do governo do Rio de Janeiro.
Em documentos internos, o ministério admite falhas e informa que pretende substituir a plataforma federal em 2025. Até agora, foram feitas cerca de 2.000 auditorias no sistema. As ações resultaram no bloqueio de perfis inativos, especialmente aqueles sem acesso por mais de 90 dias.
O ministério afirma que esses bloqueios não estão relacionados a nenhum órgão, estado ou caso específico. Relatórios internos mostram que o Córtex tem acesso a aproximadamente 26 mil câmeras pelo país, incluindo algumas com tecnologia para ler placas de veículos. A pasta relata acesso ativo a cerca de 10 mil locais, enquanto os demais estão inativos conforme critérios técnicos.
A plataforma foi regulamentada em 2021, durante o governo de Jair Bolsonaro. Ela fornece dados para programas municipais de monitoramento que, em alguns casos, usam reconhecimento facial e incluem câmeras privadas.
Funcionários do ministério indicam que o uso de reconhecimento facial e de voz no sistema federal ainda exige amplo debate público e que estas tecnologias não serão adotadas imediatamente na nova plataforma que substituirá o Córtex. Entretanto, documentos internos mencionam o uso dessas tecnologias.
Um relatório da Diretoria de Operações Integradas e Inteligência destaca que o plano futuro incluirá tecnologias avançadas como análise em tempo real, inteligência artificial, machine learning, deep learning, reconhecimento facial e de voz.
A substituição do Córtex deve resultar em uma plataforma integrada de segurança pública robusta, capaz de processar grandes volumes de dados para apoiar ações de inteligência, fiscalização, auditoria, defesa nacional e soberania do Estado, conforme o documento oficial.
Essa concentração de informações em grandes plataformas tem gerado preocupações sobre possíveis violações de privacidade e riscos de vazamento de dados.
Pedro Saliba, coordenador de Assimetrias e Poder na Data Privacy Brasil, ressalta a falta de transparência sobre o desenvolvimento das novas soluções e dos resultados da auditoria do Córtex. Ele também destaca que uma portaria do ministério proíbe o uso de inteligência artificial para identificação biométrica remota em tempo real em locais públicos, salvo exceções específicas.
O governo planeja investir cerca de R$ 31,5 milhões na implantação do novo sistema, chamado provisoriamente de “PIN” e “projeto Data Lake”. Os pagamentos começaram em 2024, com previsão de mais R$ 8,1 milhões em 2026 e em 2027.
No caso do Rio de Janeiro, autoridades do ministério suspeitam que dados do Córtex foram coletados indevidamente via consultas automatizadas usando credenciais originalmente fornecidas à Polícia Militar e utilizadas em programa da Secretaria de Governo. A forma de acesso ilegal e o destino dessas informações ainda estão sendo investigados.
O Ministério da Justiça ressalta que o Córtex não é um sistema de vigilância nem um mecanismo para monitorar ou rastrear cidadãos.
Segundo a pasta, a plataforma não acessa câmeras em tempo real, não processa imagens, não realiza reconhecimento facial e não utiliza inteligência artificial. Ela funciona apenas como ferramenta para integrar dados oficiais existentes, com controle rigoroso de acesso, rastreabilidade e auditoria.
Quanto às preocupações sobre concentração, vulnerabilidade ou uso indevido de dados, o ministério afirma que o Sistema Córtex opera exclusivamente com dados alfanuméricos autorizados, sob controle rigoroso de acesso, auditoria, governança e conformidade institucional.

