SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Profissionais que atendem na rede básica do SUS (Sistema Único de Saúde) vão começar a aplicar um exame simples para identificar sinais de autismo em crianças entre 16 e 30 meses durante as consultas de rotina. Esse atendimento será feito em unidades como UBS (Unidade Básica de Saúde) e USF (Unidades de Saúde da Família), como parte de uma nova diretriz criada pelo Ministério da Saúde para cuidar do TEA (Transtorno do Espectro Autista).
Com o uso do M-Chat, um teste que ajuda a perceber sinais iniciais de autismo, os profissionais poderão encaminhar as crianças para os cuidados certos e orientar as famílias sobre como estimular o desenvolvimento delas.
Essa nova diretriz explica para os gestores e profissionais como deve funcionar a rede de atendimento, desde a atenção básica até os serviços especializados, focando na identificação precoce e no começo rápido do tratamento. O ministério desenvolveu o documento ouvindo a sociedade, estados e municípios.
Na prática, mesmo antes do diagnóstico oficial, os profissionais da atenção básica poderão iniciar estímulos e terapias para crianças que apresentem sinais de autismo, como dificuldades para se comunicar, pouco contato visual, interesses limitados ou movimentos repetitivos. Isso ajuda no desenvolvimento da comunicação, da interação social e da independência futura dessas crianças.
“[A nova diretriz] destaca o papel da Atenção Primária em Saúde, que tem a missão de cuidar da criança como um todo, considerando a família, a comunidade e a relação com a escola”, explicou o ministro Alexandre Padilha durante o anúncio feito no Centro Educacional de Audição e Linguagem Ludovico Pavoni, em Brasília.
A diretriz também prevê orientação para os pais, grupos de apoio e a formação dos profissionais da atenção básica para estimular atividades em casa que complementem o trabalho da equipe multiprofissional, ajudando a aliviar a carga da família e fortalecer vínculos afetivos saudáveis.
Para Guilherme de Almeida, autista, pesquisador da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) na área de educação inclusiva e presidente da associação Autistas Brasil, a nova diretriz une o cuidado da saúde mental, que envolve diagnóstico e acompanhamento médico, com o da reabilitação, que inclui terapias e desenvolvimento de habilidades.
Almeida ressalta pontos positivos do documento, como o direito das gestantes autistas a um pré-natal humanizado, o cuidado para familiares sobrecarregados e o reconhecimento de que o autismo não tem cura e que nenhuma metodologia é infalível. Porém, ele lembra que essas medidas só serão eficazes se houver investimento e capacitação adequada dos profissionais.
O pesquisador também aponta falhas no texto, como a falta de informações detalhadas sobre terapias comprovadas, mecanismos para responsabilizar falhas na rede, desigualdade regional que deixa muitos municípios sem centros especializados, além de falta de planos claros de financiamento e expansão.
“O desafio não é só criar normas, mas garantir que essa diretriz seja um instrumento justo, capaz de melhorar a vida das famílias e das pessoas autistas”, afirma.
Além da importância dos protocolos, Almeida destaca que ainda existem longas filas de espera, de três a quatro anos, para atendimento. Segundo ele, “a promessa de tratamento precoce perde valor quando a porta do SUS está fechada”.
A nova diretriz reconhece que o país ainda enfrenta desigualdades no acesso a serviços especializados, falta de profissionais qualificados e a necessidade urgente de melhor coordenação entre os vários níveis de atendimento e áreas envolvidas no cuidado.
No anúncio, o Ministério da Saúde informou que vai criar 71 novos serviços para fortalecer a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência e atender pessoas com autismo em 18 estados e no Distrito Federal, com investimento de R$ 72 milhões. Serão criados novos centros de referência (CERs) e ampliados os já existentes. Hoje, a rede pública de reabilitação tem 326 centros e recebe mais de R$ 975 milhões por ano do governo federal.